No Brasil, é comum ver as pessoas atribuírem
o problema da corrupção à “má índole
do povo brasileiro” ou até mesmo à famosa “lei de
Gerson”, segundo a qual deve-se sempre “levar vantagem em tudo”.
O estudo "Corrupção na Política: Eleitor Vítima
ou Cúmplice", apresentado pelo Ibope em março deste ano,
fez descobertas interessantes em relação a isso. A pesquisa, que
ouviu mais de 2 mil eleitores em diversas regiões do país, mostrou
que dois terços dos entrevistados já cometeram ou cometeriam atos
ilícitos, como comprar produtos piratas ou subornar um guarda para livrar-se
de uma multa. Outro dado alarmante: a maioria das pessoas disse aceitar que
seus representantes cometam algum tipo de irregularidade, como contratar familiares
e transformar viagens de negócio em lazer.
É a confirmação do discurso “Se eles podem, eu também
posso”. Falando sério: quantas pessoas você já ouviu
dizer isso, no seu círculo de amigos, até mesmo entre parentes?
É muito comum. Abramo, da Transparência Brasil, rebate com indignação:
“Não pode não. Isso não é conversa de cidadão,
mas sim de picareta. Quem sonega, suborna, enfim, comete atos corruptos, tem
de ir pra cadeia”. Jorge Maranhão, do Instituto Millenium e idealizador
do projeto “A Voz do Cidadão”, concorda, mas faz uma ressalva:
“Se o senso comum pensa assim, acho que esses são crimes que, cometidos
na esfera privada, têm atenuantes, mas, na esfera pública, devem
ter sua pena agravada significativamente, pois, nesse caso, estão lesando
toda a sociedade, ainda que de modo pulverizado”.
Como pudemos ver, pode até ser que atitude seja um dos fatores que faz
alguém corromper ou ser corrompido. Os números do Ibope, no entanto,
não dizem tudo. Um ato de corrupção, além de envolver
dois sujeitos — o corrupto e o corruptor —, é favorecido
por diversos outros fatores. Afinal, o que facilita a situação
para aquele que tem interesse em roubar o dinheiro público?
A equipe do portal pesquisou em estudos sobre o tema, ouviu especialistas e
descobriu várias respostas para essa pergunta. São inúmeras
as manifestações e as causas da corrupção. Como
já vimos, a corrupção é um mundo escondido, difícil
de ser identificado e, portanto, combatido. Algumas opiniões são
conflitantes, mas em um ponto todos concordam: a receita da corrupção
no Brasil tem como ingrediente básico um Estado mal estruturado, emperrado
pelo excesso de burocracia, cheio de falhas de gestão e brechas legais,
que favorecem a prática do “favorzinho”, do “jeitinho”.
Saiba mais sobre essa e outras questões a seguir.
Onde “começa” a corrupção
“Quando” será que a corrupção se transformou
em algo tão comum em nosso país? Cavalcanti diz que não
é possível responder à pergunta com exatidão, mas
ousa afirmar que o problema se tornou mais intenso nos últimos 20 anos.
“O fenômeno da globalização induziu a uma profissionalização
não apenas de empresas e governos, mas também das atividades criminosas.
Os esquemas se tornaram mais eficientes, enxutos e difíceis de serem
descobertos. Basta ver as complexas tramas identificadas em escândalos
como o do mensalão, e em organizações como o PCC”.
Foto: Rodrigo Souza
/ Positivo Informática |
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Toma
lá, dá cá: o clientelismo entrega o poder pessoas e
grupos econômicos que não estão nem aí para a
população. |
E será possível apontar “onde” e como a corrupção
começa? “A origem da corrupção política no
Brasil está diretamente ligada ao clientelismo”, afirma, referindo-se
à prática de favorecimento exercida por políticos em troca
de apoio para suas campanhas. Funciona mais ou menos assim: eu sou um candidato
e preciso de apoio para me eleger. Você é um empresário
ou um político e me oferece apoio (que pode ser em dinheiro, influência
sobre forças políticas importantes, etc.), mas faz várias
exigências em troca, como, por exemplo, a reserva de “x” cargos
em meu gabinete para pessoas de sua confiança. Eu também posso
ser clientelista lutando pela aprovação de leis que ajudem seu
negócio a prosperar, em detrimento de leis que possam realmente ajudar
a população. Não tem nada demais, não acha? Ou tem?
“Estas são as duas características mais fortes do clientelismo:
o nepotismo legitimado e o oligarquismo”, alerta o professor. Nesse joguinho
de favores, aqueles que foram eleitos para serem nossos representantes
acabam entregando de bandeja o poder a pessoas e grupos econômicos que
não estão nem aí para a população. Outro
exemplo de clientelismo é a edição de licitações
viciadas, ou seja, que apresentam critérios que só uma empresa
pode cumprir, o que já definiria o resultado antes mesmo do seu lançamento.
E não apenas a classe política se compromete nesse caso. Aos poucos,
as peças da máquina pública vão enferrujando, contaminando
funcionários públicos de diversos setores e escalões, prestadores
de serviço, enfim, comprometendo o funcionamento do Estado de forma geral.
Pois é, na atual conjuntura, compram-se e alugam-se cargos, contratos
de prestação de serviços, leis e até partidos. É
o caso das “legendas de aluguel”, como explica Marcos Fernandes,
professor da FGV-EAESP e autor do livro Economia Política da Corrupção
(Editora Senac, 2002): “Essa é uma perversidade que o sistema eleitoral
gera ao permitir que existam no Brasil mais de 30 partidos. A maioria deles
são organizações nanicas, cujo único objetivo é
capturar renda, ‘vendendo’ suas legendas em coligações
com partidos maiores, dando a estes mais espaço no horário eleitoral”.
Foto: Divulgação |
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Luiz
Otavio Cavalcanti: “Os documentos de gastos de campanha entregues
pelos candidatos à justiça eleitoral não condiziam
com a superprodução das campanhas”. |
Falando em campanha eleitoral, você deve estar se perguntando: será
que essa “sujeirada” toda que vemos nos noticiários sobre
empresas e partidos políticos que possuem um “caixa dois”
(deixam de pagar impostos para acumular mais dinheiro) é exclusividade
de algum grupo político ou algo generalizado? Abramo diz que é
impossível saber. “Os indícios de que essa seja uma prática
generalizada são conflitantes. É fato que há dinheiro sujo
envolvido em campanhas, mas não se sabe o volume disso”. Para Cavalcanti,
apesar da ausência de uma prova cabal, fica difícil não
acreditar que essa seja uma prática comum. “Quando eu via a superprodução
que eram as campanhas eleitorais antigamente, antes dessas mudanças que
ocorreram (
entenda
as mudanças), e confrontava com os relatórios de
gastos apresentados à justiça eleitoral, sempre me chamou a atenção
uma absoluta desproporção.”
Vilão invisível
Se o problema está na dificuldade de identificar e
alcançar a corrupção, o que falta então para que
isso comece a acontecer? Para o economista Stephen Kanitz, o atual número
de fiscais e auditores no Brasil é um dos fatores que, além de
contribuir para o crescimento dessa bola de neve, dificultam o combate a ele.
Em um artigo publicado recentemente em seu
portal
, Kanitz afirma que esse número é insuficiente para controlar
o volume de transações comerciais realizadas diariamente no país.
Segundo ele, na Holanda e na Dinamarca, existem 100 auditores para cada 100
mil habitantes, enquanto aqui a proporção é de 8 por 100
mil.
O professor Fernandes, ouvido pela nossa equipe, discorda: “Há
setores em que sobram fiscais e mesmo assim há casos de corrupção”.
Ele acredita que o que realmente pode fazer a diferença em relação
à fiscalização é a informatização
de processos como os de arrecadação tributária. Da mesma
forma, não adiantaria contratar mais e mais auditores e inseri-los em
um sistema que já se encontra apodrecido. “O ideal é que
tivéssemos auditoria independente,” completa.
Não faltam propostas de medidas que podem contribuir para reduzir a
ação de corruptos, como a diminuição dos cargos
públicos comissionados (e a agilização do processo de contratações
por concurso), uma reforma aprofundada da legislação sobre financiamento
de campanhas, além de uma ação integrada entre forças
policiais, judiciais, instituições reguladoras e fiscalizadoras,
como Banco Central, Receita Federal e Receitas Estaduais.
Depois de ler isso, dá uma sensação engraçada.
Não é a mesma coisa que ouvimos a cada dois anos, durante as campanhas
eleitorais? Não é exatamente o que promete cada candidato a presidente,
governador, prefeito, vereador e deputado: acabar com a corrupção?
Pois é, já deu para perceber que depender apenas de nossos representantes
não é suficiente para vencer essa batalha. Como você vai
ver a seguir, só a sociedade unida poderá fazer a diferença.