quinta-feira, 5 de março de 2015

O financiamento de campanha pelo mundo

O sistema que envolve recursos públicos e privados ainda predomina na maioria dos países, embora esteja na origem de sucessivos casos de corrupção

O financiamento de campanhas eleitorais ao redor do mundo se tornou, a partir da metade do século 20, um dos maiores debates sobre a democracia moderna que hoje rege a maior parte dos países. O modelo democrático atual depende da existência de partidos políticos, que, por sua vez, precisam arrecadar dinheiro de alguma forma para funcionarem. Sendo assim, é óbvio que, quanto mais ricos, mais estes grupos políticos têm capacidade de atingir o maior objetivo deles: o poder. Ao analisar a situação, um dos cientistas políticos mais importantes da atualidade, o francês Maurice Duverger, apontou a fragilidade do sistema: “A democracia não está ameaçada pelo regime de partidos, mas pelo financiamento deles”.
Um dos países de vanguarda no financiamento público de campanhas políticas é a Alemanha, que estipulou a regra para as eleições presidenciais de 1959. Inicialmente, o financiamento se direcionava apenas à reposição dos custos de campanha, acontecendo nos anos eleitorais. Em 1994, porém, a lei foi alterada, e os recursos passaram a ser distribuídos anualmente. Desde então, para a escolha dos 620 representantes da Bundestag, que equivale à Câmara dos Deputados, vale um sistema proporcional à votação recebida nas urnas. Os partidos apresentam listas de candidatos e o dinheiro é direcionado de acordo com os votos que a agremiações políticas tenham recebido em suas listas.
Na França, as campanhas políticas também são realizadas com recursos públicos, com a proibição de doações de empresas tanto para candidatos como para partidos políticos. A proibição de empresas ou de qualquer outra pessoa jurídica (fundações, associações, sindicatos) de fazer doações a políticos entrou em vigor em 1995. Foi quando ocorreu uma reforma na legislação eleitoral na França, motivada por uma série de escândalos sobre financiamentos ocultos recebidos pelos partidos em 1988. Mas, ao contrário do alemão, o sistema francês permite doações de particulares: além do financiamento pelo Estado, pessoas físicas podem doar, em uma eleição, até 4,6 mil euros (R$ 13,4 mil) a cada candidato. Podem doar também até 7,5 mil euros (R$ 21,8 mil) por ano para cada partido político.
Na Itália, o financiamento público foi instituído em 1974, entrando em vigor, de fato, apenas em 1993. No entanto, um referendo popular em 1999 alterou novamente as regras, já que, na consulta, os italianos se mostraram em desacordo com os ordenamentos. Assim, uma nova lei foi escrita, prevendo o reembolso de despesas das propagandas eleitorais, proporcional ao tamanho do partido, à representatividade dele no Congresso. As empresas privadas até podem financiar partidos, mas são obrigadas a declarar as doações, como acontece no Brasil. A Itália, no entanto, foi e continua sendo palco de escândalos provocados por desvios de conduta de seus políticos. Em 1992, foi deflagrada uma das operações policiais mais famosas da história do país, a Operação Mãos Limpas, que investigou a relação da máfia italiana com bancos, instituições judiciais e campanhas eleitorais de parlamentares. O grande trunfo da operação foi o testemunho de um dos principais chefes de grupos mafiosos, Tommaso Buscetta, que havia sido preso em São Paulo, em 1983, e deportado para a Itália.
A Operação Mãos Limpas terminou com 6.059 pessoas presas, dentre elas 872 empresários, 1.978 administradores e 438 representantes do Legislativo, dos quais quatro haviam sido primeiros-ministros. A corrupção no país não acabou: em junho deste ano a Guardia di Finanza de Veneza concluiu uma grande investigação por lavagem de dinheiro, envolvendo políticos, militares e juízes. Vinte e cinco pessoas foram presas e outras dez colocadas sob supervisão judicial, entre elas o atual prefeito da cidade, Giorgio Orsoni, do esquerdista Partido Democrático, acusado de financiar ilegalmente sua campanha à prefeitura em 2010.
Na América Latina, os sistemas tendem ao modelo misto de financiamento de campanhas. Estudo de Daniel Zovatto, diretor para a América Latina e Caribe da organização IDEA Internacional, mostrou que 94% dos países da região aderem à forma de financiamento eleitoral em que os partidos políticos recebem fundos públicos e privados para financiar suas campanhas e custear gastos de funcionamento.
É assim, por exemplo, na Argentina, onde os recursos são distribuídos pelo Estado, mas com a autorização do aporte de pessoas físicas em candidaturas. Pessoas jurídicas, porém, são proibidas de doar, com exceção dos partidos, em uma dinâmica parecida à da França. No México, as doações privadas não podem superar os financiamentos públicos, mas, assim como na Itália, a corrupção permanece. “Não deu certo (no México) porque as empresas continuam financiando. Só que agora é pior porque elas financiam e não se tem nenhum tipo de conhecimento de quem está financiando e nem de quanto está sendo financiado. Então, gerou um problema muito maior de corrupção”, analisa Maria do Socorro Souza Braga, professora de Ciência Política da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar).
Por fim, nos Estados Unidos, o financiamento de campanhas políticas para eleições federais (Presidência, Senado e Câmara) é supervisionado pela Federal Election Commission (FEC, na sigla em inglês), uma agência federal independente. A maior parte do financiamento vem de fontes privadas — que podem ser pequenos doadores individuais (pessoas que contribuem com US$ 200 ou menos), grandes doadores individuais (que contribuem com mais de US$ 200), comitês de ação política (os chamados PACs) e grupos cívicos — ou mesmo de autofinanciamento, nos casos em que o candidato financia a campanha com seu próprio dinheiro.