quinta-feira, 17 de setembro de 2015

"Judiciário é um Poder "tão corrupto quanto os outros dois"!

Sociólogo diz que Judiciário é um Poder "tão corrupto quanto os outros dois"


Montagem de Camila Adamolli sobre foto de ESPSP
Imagem da Matéria
Aldo Fornazieri, diretor da Escola de Sociologia e Política de São Paulo
O Poder Judiciário foi o menos atingido pelos protestos ocorridos no País no mês passado. Em vários lugares ele chegou a ser festejado nas ruas, na figura do ministro Joaquim Barbosa, relator do processo do mensalão no STF.

Pesquisas de opinião realizadas após a grande onda de manifestações confirmam essa percepção. Um levantamento do Ibope destinado a medir anualmente o índice de confiança nas instituições mostra que, enquanto em julho do ano passado a porcentagem de pessoas com alguma ou muita confiança no Judiciário chegava a 59%, no mesmo mês desse ano ela desceu para 50%.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo, em matéria assinada pelos jornalistas Roldão Arruda e José Roberto de Toledo.

Embora seja uma variação significativa, é muito menor do que a verificada com outros poderes. Em relação ao Legislativo, no mesmo período o índice variou de 35% para 25%.

Entrevista com Aldo Fornazieri
A que se pode atribuir essa resistência do Judiciário aos protestos ?

Na entrevista a seguir, o sociólogo Aldo Fornazieri, diretor da Escola de Sociologia e Política de São Paulo, aponta algumas razões. A primeira delas seria "o superávit de imagem positiva" que o STF deu ao Judiciário com o julgamento do mensalão. Esse superávit, porém, na avaliação do sociólogo, é meramente circunstancial e já começou a desmoronar. "O Judiciário é tão corrupto e ineficiente quanto o Legislativo e o Executivo", diz ele.

A que atribui a ausência de ataques ao Judiciário nas manifestações de junho?

Aldo Fornazieri: No momento dos protestos, o Judiciário, especialmente o STF, estava com um superávit de imagem positiva. Ainda havia um recall positivo em torno do julgamento do mensalão, o que tornava esse poder, naquele momento, a instituição de maior credibilidade.
Por que frisou 'naquele momento' ?
Aldo Fornazieri: Porque o Judiciário é tão corrupto quanto os outros dois poderes, o Legislativo e o Executivo. Recorrentemente surgem denúncias e escândalos nesta área. Envolvem muitas vezes a compra e a venda de sentenças. Se pegar o caso específico do Tribunal de Justiça de São Paulo verá que está envolvido com denúncias fortes, sobre o pagamento de benesses indevidas, com o desvio de milhões de reais. Por outro lado, as tentativas de fiscalização do Conselho Nacional de Justiça enfrentaram forte resistência em São Paulo. Não há, portanto, a menor dúvida de que o Judiciário se equipara aos demais poderes em termos de corrupção.
Existiria algum outro motivo, além do mensalão, para o Judiciário ter sido poupado nos protestos ?

Aldo Fornazieri: Eu citaria mais duas razões. A primeira é que os escândalos do Judiciário não têm tanto destaque na mídia quanto os do Legislativo e do Executivo. Eles aparecem menos. A segunda é que o cidadão, de maneira geral, tem uma relação mais direta com o Legislativo e o Executivo - até porque é ele, cidadão, quem elege os representantes nesses poderes. No Judiciário, com exceção dos ministros do Supremo, as figuras são menos conhecidas. Se você citar os nomes dos juízes do Tribunal de Justiça de São Paulo, pouquíssimas pessoas vão identificá-los. A relação entre o Judiciário e os cidadãos, portanto, é mais difusa, o que atenua a fiscalização sobre esse poder.
Há menos percepção na sociedade sobre as falhas do Judiciário ?

Aldo Fornazieri: Sim. Além de tão corrupto quanto os outros poderes, o Judiciário é extremamente deficiente. Quanto demora o julgamento de um caso na Justiça? Pode demorar décadas. Já foram feitas tentativas, nos últimos 15 anos, de reforma dessa estrutura, mas os problemas continuam. O déficit de eficiência permanece.

O senhor inclui o Supremo nessa análise sobre deficiências?
Aldo Fornazieri: Como já disse, o Supremo atravessou os protestos com a imagem razoavelmente boa, em função do mensalão. Logo em seguida, porém, começaram a surgir denúncias sobre uso indevido de equipamentos públicos por parte do próprio Joaquim Barbosa e de outros ministros. Nesse caso também a mídia não deu muita ênfase.
No caso de Barbosa, considera justas as críticas feitas a ele por ter recebido R$ 580 mil em benefícios atrasados ? E quanto à polêmica da compra do apartamento em Miami ? Apesar de existirem controvérsias nos dois casos, aparentemente não há ilegalidades.

Aldo Fornazieri: Não há nada de ilegal também na maior parte das viagens de ministros em aviões da Força Aérea Brasileira. Só no primeiro semestre deste ano havia uma brecha de 1.600 viagens em jatinhos para ministros e outras autoridades. O problema muitas vezes não é tanto o da legalidade - especialmente quando você considera que as leis no Brasil protegem muito os políticos e outros representantes públicos. O problema está mais relacionado à moralidade. Os poderes no Brasil são refratários à ideia de bons exemplos - e o Judiciário se enquadra nessa situação.
O que seria um bom exemplo?
Aldo Fornazieri: Veja o caso do papa Francisco. Quando abre mão do luxo e das benesses do poder, quando opta por um estilo de vida frugal e escolhe um carro mais simples para circular, ele se torna um símbolo disso que estamos falando, que é o bom exemplo. Na teoria, entre os filósofos, os políticos clássicos, sempre se enfatiza a necessidade de bons exemplos da parte dos governantes. Só assim eles contribuem para a melhoria da moralidade da sociedade. Não é isso que se vê no Brasil. Aqui os governantes são especialistas em dar maus exemplos.
Está falando em desperdício de recursos públicos?

Aldo Fornazieri: Sempre. Quando a presidente Dilma Rousseff foi a Roma, para posse do papa, ela e sua comitiva se hospedaram no hotel mais caro da cidade, conforme os jornais divulgaram na época. Isso é um mau exemplo para a sociedade. Quando o Joaquim Barbosa, eventualmente, usa algum equipamento público para algo que não é relevante, também é um mau exemplo.
Voltamos à questão do que não é ilegal mas pode ser imoral.
Aldo Fornazieri: Veja o caso dos carros mantidos por assembleias legislativas e câmaras de vereadores que buscam e levam os parlamentares para suas casas após o trabalho. Embora seja legal, o benefício é ilegítimo e imoral, porque o cidadão comum tem que pegar ônibus para ir ao trabalho. O poder público no Brasil está eivado desses benefícios ilegítimos e imorais. Isso se torna mais grave quando consideramos que a sociedade está carente de bons serviços.

Associa essa carência à queda nos índices de aprovação dos governos, como mostrou pesquisa do Ibope?

Aldo Fornazieri: A pesquisa tratou dos governos federal e estaduais, mas se fosse estendida aos prefeitos o quadro não seria melhor. Há uma clara percepção da sociedade de que os governos não estão atendendo às necessidades fundamentais da população, como saúde, educação e segurança pública. Existe uma crise de governança eficaz no Brasil. Nesse rol também entra o mau uso do recurso público, que equivale a um tipo de corrupção. Quando o Judiciário paga benesses indevidas a seus representantes, quando usa carros de forma indevida e assim por diante, é uma forma de corrupção. Ela não se resume ao roubo de dinheiro público.

Fala-se muito no abismo que existiria entre governados e governantes. Isso se estende ao Judiciário?

Aldo Fornazieri: Ele está completamente distante da sociedade. Os juízes estão numa redoma, na qual ignoram o que acontece ao seu redor e usam de forma indevida os recursos públicos. Muitos são permissivos com os que têm dinheiro e poder e rigorosos com pobres e desamparados.

sexta-feira, 11 de setembro de 2015

Cada cabeça, uma sentença



Por Hélio Doyle
Uma grande bobagem muitas vezes repetida não se torna, necessariamente, verdade. Um bom exemplo é a gasta afirmação de que “decisão judicial não se discute, cumpre-se”. Discute-se, sim, principalmente quando é absurda e contraria o bom senso. Até porque muitas vezes leigos demonstram muito mais sapiência e bom senso do que alguns togados.
Os primeiros a discutir decisões judiciais, com inesgotáveis recursos judiciais e chicanas jurídicas, são os advogados das partes. É dever de ofício, favorecido pela complexa, antiquada e retrógrada legislação brasileira que ajuda a Justiça a ser lenta e é especialmente benéfica para quem tem muito dinheiro, graças aos recursos protelatórios bem manejados por advogados caros.
Mas não apenas os advogados – e, de outro lado, o Ministério Público -- têm o direito de discutir, nos autos, uma decisão judicial. Qualquer cidadão pode fazê-lo fora dos autos, mesmo desconhecendo a lei e seus meandros. Porque, para as pessoas comuns, fazer justiça não depende de filigranas jurídicas, mas de bom senso. As filigranas, geralmente, atrapalham a administração da Justiça.
Como, então, não discutir a ridícula decisão do presidente – veja-se, presidente – do Tribunal Regional Federal 1, que liberou o pagamento de remuneração acima do teto constitucional para felizes funcionários do Senado. Não é preciso ser operador do Direito, como gostam de se chamar os advogados, para ver que o magistrado escreveu um monte de bobagens para justificar sua decisão esdrúxula. Com palavras difíceis, claro.
Segundo o nobre presidente, limitar o salário dos funcionários do Senado atenta contra a ordem pública e poderia inviabilizar os serviços da Casa Legislativa. Não se pode dizer isso impunemente, quanto mais escrever. O meritíssimo achou que sem receber os valores acima de R$ 26.713 os servidores do Senado iriam fazer greve ou se sentir à vontade para não trabalhar? Bem, e se ficassem, alguém sentiria falta? Essa decisão do presidente – presidente! – do TRF 1 foi divulgada, mas quantas mais, tão absurdas como essa, terá ele emitido ao longo de sua carreira jurídica?
Felizmente há, no mesmo TRF 1, uma desembargadora aparentemente mais preparada do que o presidente. Ela manteve a limitação dos salários dos servidores da Câmara nos valores do teto constitucional, conforme havia decidido o juiz de primeira instância. Ambos certamente não têm os mesmos delírios do presidente e não viram ameaça à ordem pública em limitar os salários em apenas R$ 26.713. Mas a decisão final será tomada pelo tribunal, algum dia, não se sabe quando. Até lá, por esses absurdos que ninguém explica convincentemente, os servidores do Senado podem ultrapassar o teto, os da Câmara não podem.
Essa é a Justiça brasileira. Propositalmente confusa, verborrágica, lenta, formal, ministrada muitas vezes por juízes despreparados, quando não – como se tem visto – corruptos, vendedores de despachos e sentenças. Uma Justiça que adora feriados, enforcamentos e recessos.
Outro episódio recente que também demonstra a fisionomia da Justiça brasileira é o da absolvição, por um tribunal do júri, da agricultora que passou a vida sendo violentada pelo pai, com quem teve filhos, e quis impedir que a filha tivesse o mesmo destino. Especialistas especularam, nos dias seguintes, que se ela tivesse sido julgada por um juiz teria sido condenada, embora com possíveis atenuantes. Sem falar que, por decisão judicial, ficou um bom tempo presa.
O júri, formado por pessoas comuns, fez, assim, mais justiça do que fariam juízes que passaram pelo menos cinco anos estudando Direito e mais alguns anos estudando para fazer concurso. Alguma coisa está errada, é óbvio. O júri é leigo e pode se influenciar emocionalmente pelos fatos, pela retórica do promotor ou do advogado, o que é ruim. Mas o juiz está limitado pelo tecnicismo e pelo formalismo de diplomas legais feitos para complicar, e não para simplificar. E o que é complicado vale mais.
O que talvez a Justiça brasileira precise, além de muitas outras coisas, como uma legislação mais simples, direta e eficaz, é equilibrar sua aplicação, pelo menos em causas criminais e menos especializadas, entre juízes preparados técnica e filosoficamente para o exercício da função e pessoas comuns, equilibradas e com bom senso. Parece absurdo, e certamente os operadores do Direito vão rir da proposta, mas há decisões judiciais que, seguramente, não seriam tomadas por pessoas comuns, equilibradas e com bom senso.
Mas tem uma coisa essencial: esses juízes leigos não poderiam ser indicados por políticos, como eram os vogais da Justiça do Trabalho. Já é difícil viabilizar a ideia, com políticos no meio é que não daria certo mesmo.

terça-feira, 8 de setembro de 2015

A tragédia do clientelismo

Hamilton Garcia de Lima
Vem se tornando bastante comum, no meio acadêmico e entre os formadores de opinião, a percepção de que o clientelismo é um falso problema, pois manifestação hodierna, mesmo que enviesada, da inclusão política e social. Para estes intelectuais, o clientelismo vem ao encontro dos anseios de cidadania dos excluídos, derivando daí a razão de sua popularidade entre as maiorias carentes de políticas públicas e sua impopularidade entre a minoria já atendida por elas ou pagadora de serviços privados.Os argumentos positivantes do clientelismo são, como ocorre em grande medida à maioria dos produtos da perspectiva funcionalista de viés conservador, bastante simplificadores, não obstante sua aparente sofisticação. O aspecto mais problemático deste tipo de abordagem encontra-se em sua relativa alienação histórica: partindo de uma literatura estrangeira e de sua tosca adaptação ao nosso contexto nacional, perde-se de vista que não se trata de fenômeno assincrônico, ou seja, desconectado de um contexto específico que lhe empresta determinado sentido em vez de outro.
Se alguma inteligibilidade tal análise nos permitisse, ela não ultrapassaria os umbrais das periferias das maiores cidades brasileiras nos anos 1960-1980, quando a expansão econômica criou as grandes cidades-dormitório carentes de Estado. Neste cenário, as políticas públicas adentraram a vida cotidiana pela mão de chefes políticos locais que manipulavam discricionariamente recursos de estruturas estatais embotadas — como foi o caso da Baixada Fluminense sob o tenorismo e o chaguismo.
Hoje, ao contrário, a função social do clientelismo é marginalmente prover serviços onde eles não existem e muito mais perverter estruturas estatais razoavelmente desenvolvidas e estruturadas, em proveito de grupos privados de poder. Não que não existam buracos na malha estatal de serviços — no plano federal, estadual e municipal —, mas tais “buracos” são politicamente construídos visando a enfraquecer o Estado em proveito do empoderamento dos grupos que controlam o voto popular.
Neste novo contexto predominante, em níveis diferentes conforme o desenvolvimento regional, estes “buracos negros” atraem uma massa compacta de interesses privados que impedem o fluxo normal do interesse público, promovendo-o por caminhos perversos. Apesar da irracionalidade burocrática do procedimento, sua legitimação ocorre pela prevalência do senso comum popular, que tende a perceber o interessse privado como mais palpável e seguro que o interesse público — pecado venial da superficialidade leiga, que não poderia ser repetido por intelectuais de alta cultura.
Na modernidade, o interesse público é provido através de estruturas burocráticas, cujos objetivos são o de maximizar os benefícios ao maior número possível de pessoas a um custo economicamente sustentável. Nela, o clientelismo atua não como agente catalizador de políticas públicas, como na protomodernidade, mas como corrosivo de estruturas burocráticas que as canalizariam em proveito da cidadania, restringindo, ao invés de ampliar, o alcance e a efetividade das políticas de bem-estar.
É o caso, por exemplo, das freqüentes interferências de vereadores e deputados, ou pretendentes, nas organizações públicas de ensino, saúde, assistência social, etc., visando a privatizar parcelas de suas estruturas de atendimento em benefício de seus cabos eleitorais e potenciais eleitores. Neste esforço político predatório, os agentes públicos são coagidos, sob pena de perderem seus cargos ou bônus de promoção, a fraudarem a ética pública em proveito da ética egoísta dos dirigentes do Estado e seus asseclas, sacrificando, em proveito de critérios eleitorais, os critérios técnicos e impessoais de seleção para admissão em creches, escolas e leitos hospitalares dependentes da rede pública.
O clientelismo, sob esta ótica, é muito mais perverso do que outrora, quando as estruturas burocráticas do Estado mal se formavam. Isto porque, hoje, ele se limita a corromper as possibilidades de atendimento generalizado de boa qualidade, criando, de quebra, um grave problema político: a desmotivação e o desvirtuamento do funcionário público, bem como a fragmentação da própria cidadania. Ambas as vítimas do clientelismo perdem sua autonomia e passam a cultivar laços de dependência com quadrilhas “políticas” que as tranformam em verdadeiros vassalos, pedintes de seus algozes, em meio a uma anomia civil e corporativa que lembra mais o velho “coronelismo” que a tão almejada modernidade.
As eleições que se avizinham, sem as reformas poíticas que fortaleceriam os partidos e outros atores coletivos democráticos, estão fadadas a repor o status quo do clientelismo hodierno e seus malefícios, marca registrada do Brasil: um país desigual e injusto que tropeça na tacanhez histórica de sua elite política.
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Hamilton Garcia de Lima é cientista político e professor da UENF (Campos, RJ).