quarta-feira, 29 de julho de 2015

O Coronelismo



Ascensão e Queda do Coronelismo
O coronelismo foi um sistema de poder político que vicejou na época da República Velha (1889-1930), caracterizado pelo enorme poder concentrado em mãos de um poderoso local, geralmente um grande proprietário, um dono de latifúndio, um fazendeiro ou um senhor de engenho próspero. Ele não só marcou a vida política e eleitoral do Brasil de então como fez por contribuir para a formação de uma clima muito próprio, cultural, musical e literário que fez da sua figura um participante ativo do imaginário simbólico nacional. Não só os homens de letras procuraram reproduzir em seus livros o que era viver sob o domínio de um coronel, como os feitos e as façanhas deles foram transmitidas, a luz de velas, de lamparinas e de lâmpadas, pela história oral do avô para o seu neto, fazendo com que quase todo mundo soubesse de uma "história" ou "causo do coronel". Identificado com o Brasil do passado, agrário, rústico e arcaico, ele ainda sobrevive em certas comarcas e em certos estados do Nordeste brasileiro como o poderoso "mandão local", uma espécie de velho barão feudal que, desconsiderando as razões do tempo e da época, insiste em manter-se vivo e atuante.

As Origens Remotas do Coronelismo
O coronelismo institucional surgiu com a formação da Guarda Nacional, criada em 1831, como resultado da deposição de dom Pedro I, ocorrida em abril daquele ano. Inspirada na instituição francesa, forjada pelos acontecimentos de 1789, a "guarda burguesa" era uma milícia civil que representava o poder armado dos proprietários que passaram a patrulhar as ruas e estradas em substituição às forças tradicionais, derrubadas pelos revolucionários. Para ser integrante dela era preciso pois ser alguém de posses, que tivesse recursos para assumir os custos com o uniforme e as armas necessárias (200 mil réis de renda anual nas cidades e 100 mil réis no campo).

Coronel, Sinônimo de Poder
O governo da Regência (1831-1842) colocou então os postos militares à venda, podendo então os proprietários e seus próximos adquirirem os títulos de tenente, capitão, major, tenente-coronel e coronel da Guarda Nacional (não havia o posto de general, prerrogativa exclusiva do Exército). Assim é que com o tempo, o coronel passou automaticamente a ser visto pelo povo comum como um homem poderoso de quem todos os demais eram dependentes. Configurou-se no Brasil daqueles tempos uma clara distinção social onde os representantes dos dominantes eram identificados pelo rango militar (coronel, major, etc..) enquanto que os dominados pelo coronel o eram pela visível identificação genérica de "gente", ou a zoológica "cria" (sou "cria" do coronel fulano).

terça-feira, 21 de julho de 2015

Liberdade e legislação!

A liberdade do homem na sociedade não deve estar edificada sob qualquer poder legislativo exceto aquele estabelecido por consentimento na comunidade civil; nem sob o domínio de qualquer vontade ou constrangimento por qualquer lei, salvo o que o legislativo decretar, de acordo com a confiança nele depositada.
John Locke

quinta-feira, 16 de julho de 2015

O futuro da democracia

Boaventura de Souza Santos

Analisada globalmente, a democracia oferece-nos duas imagens muito contrastantes. Por um lado, na forma de democracia representativa, ela é hoje considerada internacionalmente o único regime político legítimo. Investem-se milhões de euros e dólares em programas de promoção da democracia, em missões de fiscalização de processos eleitorais, e, quando algum país do chamado Terceiro Mundo manifesta renitência em adotar o regime democrático, as agências financeiras internacionais têm meios de o pressionar através das condições de concessão de empréstimos. Por outro lado, começam a proliferar os sinais de que os regimes democráticos instaurados nos últimos trinta ou vinte anos traíram as expectativas dos grupos sociais excluídos, dos trabalhadores cada vez mais ameaçados nos seus direitos e das classes médias empobrecidas.

Sondagens recentes feitos na América Latina revelam que em alguns países a maioria da população preferiria uma ditadura desde que lhe garantisse algum bem-estar social. Acrescente-se que as revelações, cada vez mais freqüentes, de corrupção levam à conclusão que os governantes legitimamente eleitos usam o seu mandato para enriquecer à custa do povo e dos contribuintes. Por sua vez, o desrespeito dos partidos, uma vez eleitos, pelos seus programas eleitorais parece nunca ter sido tão grande. De modo que os cidadãos se sentem cada vez menos representados pelos seus representantes e acham que as decisões mais importantes dos seus governos escapam à sua participação democrática.

O contraste entre estas duas imagens oculta um outro, entre as democracias reais e o ideal democrático. Rousseau foi quem melhor definiu este ideal: uma sociedade só é democrática quando ninguém for tão rico que possa comprar alguém e ninguém seja tão pobre que tenha de se vender a alguém. Segundo este critério, estamos ainda longe da democracia. Os desafios que são postos à democracia no nosso tempo são os seguintes. Primeiro, se continuarem a aumentar as desigualdades sociais entre ricos e pobres ao ritmo das três últimas décadas, em breve, a igualdade jurídico-política entre os cidadãos deixará de ser um ideal republicano para se tornar uma hipocrisia social constitucionalizada.

Segundo, a democracia atual não está preparada para reconhecer a diversidade cultural, para lutar eficazmente contra o racismo, o colonialismo e o sexismo e as discriminações em que eles se traduzem. Isto é tanto mais grave quanto é certo que as sociedades nacionais são cada vez mais multiculturais e multiétnicas. Terceiro, as imposições econômicas e militares dos países dominantes são cada vez mais drásticas e menos democráticas. Assim sucede, em particular, quando vitórias eleitorais legítimas são transformadas pelo chefe da diplomacia norte-americana em ameaças à democracia, sejam elas as vitórias do Hamas, de Hugo Chávez ou de Evo Morales.

Finalmente, o quarto desafio diz respeito às condições da participação democrática dos cidadãos. São três as principais condições: ser garantida a sobrevivência: quem não tem com que se alimentar e alimentar a sua família tem prioridades mais altas que votar; não estar ameaçado: quem vive ameaçado pela violência no espaço público, na empresa ou em casa, não é livre, qualquer que seja o regime político em que vive; estar informado: quem não dispõe da informação necessária a uma participação esclarecida, equivoca-se quer quando participa, quer quando não participa. Pode dizer-se com segurança que a promoção da democracia não ocorreu de par com a promoção das condições de participação democrática. Se esta tendência continuar, o futuro da democracia, tal como a conhecemos, é problemático.