Com efeito, um sistema político, segundo as teses de David Easton e
Karl Deutsch, enquanto processo de interacção que visa uma atribuição
autoritária de valores, tem sido visto como uma unidade inserida num
ambiente, donde, por um lado, recebe entradas (inputs) – os apoios às
exigências que se articulam, agregam e manifestam pela acção de grupos
de interesse, grupos de pressão, movimentos políticos e partidos
políticos – e, para onde, por outro, deve emitir saídas (outputs). Para
que entre o ambiente e o sistema se gere um fluxo contínuo que permita
ao sistema ser um sistema aberto e evolutivo, mantendo embora a
respectiva autonomia.
Seguindo agora Almond e Powell, podemos dizer que os produtos do
sistema político, as decisões políticas, não se reduzem às clássicas
funções estaduais (o fazer regras do poder legislativo ou rule making, o
executar programas do governar ou rule application, e o aplicar regras
em situações contenciosas do rule adjudication ou poder judicial), dado
que há um outro campo de produção de tal sistema, a comunicação
política, a troca de informação entre governantes e governados, bem como
a própria troca de informação horizontal entre os governados.
Por outras palavras, a função de comunicação política é, ela
própria, tanto um produto nitidamente político, como o sangue irrigador
dos canais nevrálgicos do próprio interior do sistema político. Com
efeito, a troca de informação, constitui o fluído através do qual se
procede à irrigação do sistema estadual de nervos (the nerves of
government, segundo a expressão de Karl Deutsch), sendo, por isso, o
elemento fundamental do sistema político.
A questão da informação, da circulação da informação e do controlo
da informação, é assim a questão fundamental do sistema político. Aliás,
governar é proceder à retroacção da informação. É converter os inputs
em outputs, converter os apoios e as exigências em decisões políticas.
É pela informação, pelos sensores dos centros de recepção de dados,
que o sistema político contacta com o respectivo ambiente, com os outros
subsistemas sociais e com os outros sistemas políticos.
É pela operação de processamento de dados, confrontando mensagens do
presente com informações arquivadas no centro da memória e dos valores,
que o sistema político pode, ou não, adquirir autonomia e identidade.
É depois, no estado-maior da consciência, onde se selecciona a
informação presente e passada e se confronta este conjunto com as metas
programáticas, que o sistema político prepara a pilotagem do futuro em
que se traduz a governação.
Tem isto a ver com os chamados meios de comunicação social que não
são sociedade sem política, não são comunidade sem poder. Todos os meios
de comunicação social são meios de comunicação política. Eles estão,
aliás, no centro da política. São uma das principais bases da política,
mesmo que a respectiva titularidade seja privada.
Com efeito, o processo político, o processo de conquista do poder,
se adoptarmos uma perspectiva da poliarquia pluralista, consiste num
processo de conquista da adesão do governado.
O processo político não se reduz à luta pelo poder supremo ou à
conquista do poder de sufrágio, dado ser global e desenrola-se em todo o
espaço societário.
O poder político não é uma coisa, é uma relação. Uma relação entre a
república e o principado, entre a comunidade e o aparelho de poder e
destes com um determinado sistema de valores.
Tal como o Estado, enquanto quadro estrutural de exercício do poder,
porque essa estrutura de rede (network structure), ou espaço de regras
do jogo e de enquadramento institucional do processo de ajustamento e de
confronto entre os grupos, não é também uma coisa, mas antes um
processo.
O poder político é, conforme a clássica definição de Max Weber, uma
estrutura complexa de práticas materiais e simbólicas destinadas à
produção do consenso. Isto é, o poder político, ao contrário das
restantes formas de poder social, implica que haja uma relação entre
governantes e governados, onde o governante exerce um poder-dever e o
que obedece, obedece porque reconhece o governante pela legitimidade
deste.
Assim, o espaço normal do processo político é o da persuasão. O da
utilização da palavra para a comunicação da mensagem e a consequente
obtenção da adesão, enquanto consenso e não unanimidade, onde há
obediência pelo consentimento, onde o poder equivale à negociação.
Só quando falha este processo normal de adesão comunicativa é que o
governante trata de utilizar a persuasão com autoridade, com o falar
como autor para auditores, onde o autor está situado num nível superior e
o auditor no nível inferior da audiência. Com efeito, o emissor da
palavra não está no mesmo plano do receptor, está num lugar mais alto,
aquele onde se acumula o poder.
Num terceiro passo vem a astúcia, o ser raposa para conhecer os fios
da trama, esse olhar de coruja, que nos tenta convencer, actuando na
face invisível do poder, nomeadamente para enganar o outro quanto à
identificação dos seus próprios interesses, ou criando, para esse outro,
interesses artificiais. Isto é, quando falha a comunicação pela
palavra, mesmo que reforçada pela autoridade, vem o engodo, a utilização
da ideologia, da propaganda ou do controlo da informação. O que pode
passar pelo controlo do programa de debates, com limitação da discussão
ou evitando o completo esclarecimento dos interesses das partes em
confronto.
Só como ultima ratio se utiliza a força – física ou psicológica, o
uso efectivo da mesma ou a ameaça da respectiva utilização – para obter o
consentimento; para forçar à obediência independentemente do
consentimento. É então que o poder passa a voar como falcão, a ser leão
para meter medo aos lobos, não se eximindo a combater pelas armas.
De qualquer maneira, a distribuição dos valores e dos recursos
políticos é sempre feita com autoridade, há sempre instituições que
distribuem os mesmos valores e recursos, de cima para baixo, há sempre
allocation (David Easton), um processo funcional pelo qual um sistema
atribui, abona ou distribui os objectos que valoriza (Badie e Gerstlé).
Mas só tem autoridade aquele emissor ou distribuidos a quem o receptor
atribui legitimidade, essa perspectiva do poder tomada do lado daqueles
que obedecem, aquilo que suscita o consentimento, onde a autoridade é a
perspectiva tirada do lado daqueles que mandam, aquilo que propicia o
comando com obediência espontânea..
O poder político não pode apenas ser visto na perspectiva
unidimensional daquela perspectiva elitista que o concebe como uma
pirâmide onde, em cima, está a classe política dos governantes e, na
base, a larga planície dos súbditos ou governados. Há que perspectivar
também a perspectiva bidimensional, que aponta para a existência de uma
face invisível do poder, onde quem governa tende sempre a controlar o
programa dos debates, bem como aquela perspectiva tridimensional que
confunde os interesses do que dá o consentimento.
Qualquer democracia, no plano das realidades, assume-se como uma
poliarquia, como um sistema de competição pluralista e como uma
sociedade aberta. Democracia para o país legal e para a cidade dos
deuses e dos super-homens. Poliarquia para o país das realidades e para a
cidade terrena dos homens concretos! E é dessa mistura entre o céu dos
princípios e o enlameado, ou empoeirado, do caminho pisado que, afinal,
nos vamos fazendo.
O que Dahl dizia da anterior sociedade norte-americana pode valer
prospectivamente para a actual realidade portuguesa que, com a
importação da sociedade aberta, vai vivendo a chegada da nova circulação
social, agora que o plano das estradas de Fontes Pereira de Melo e
Duarte Pacheco se vai concretizando.
Nestes termos, Dahl, um dos mais recentes clássicos da teoria da
democracia, desenvolve a respectiva tese pluralista, segundo a qual há
um grande número de grupos que participam no jogo político, cada um
deles procurando, por si mesmo, uma determinada vantagem. E o governo
seria o ponto de encontro da pressão desses grupos, seria a resultante
de uma espécie de paralelograma de forças.
Ao governo caberia, assim, conduzir uma política que reflectisse os
factores comuns às reclamações dos diversos grupos, pelo que a direcção
da vida pública teria de ser partilhada entre um grande número de
grupos. Grupos todos eles rivais, tentando cada um, em detrimento dos
outros, exercer uma influência mais importante sobre a sociedade.