quinta-feira, 27 de junho de 2013

O novo painho de Pernambuco

BRASÍLIA. Neto e herdeiro político de um dos ícones das esquerdas no Brasil — o ex-governador Miguel Arraes —, com seus olhos azuis e um sorriso permanente de propaganda de pasta de dentes, o governador de Pernambuco e presidente nacional do PSB, Eduardo Campos, de 46 anos, vem fazendo no Nordeste, sorrindo, o que antes o todo poderoso Antonio Carlos Magalhães fazia gritando na Bahia. Pelo poder conquistado não só na região e o aniquilamento da oposição em seu estado, já é chamado de o novo “painho” do Nordeste.
Mudou a economia do estado, transformando-o num canteiro de obras, ganhou a queda de braço de 30 anos com outros estados nordestinos por uma refinaria da Petrobras, foi eleito o melhor governador do Brasil por dois anos seguidos com 86% de avaliação positiva, é aliado fiel do governo Dilma Rousseff e comanda o partido com pulso de ferro. Mas, entre os aliados, paira uma desconfiança de que o político mais poderoso do Nordeste vá lhes dar uma rasteira em 2014.

Vá para ganhar!
Aos 19 anos, em 1986, fez campanha para o avô que voltava do exílio e disputava o governo de Pernambuco. Com a vitória, passou a chefe de gabinete. Em 1994, no novo governo de Arraes, assumiu o cargo mais importante do governo, o de secretário da Fazenda.
Foi quando protagonizou o escândalo dos precatórios. Uma CPI no Congresso Nacional resultou numa denúncia do Ministério Público Federal para apurar sua responsabilidade na acusação de emitir fraudulentamente títulos públicos de Pernambuco para pagar precatórios pendentes.
Houve uma completa desconstrução de sua imagem e da do então governador Arraes. A reabilitação na eleição de 1998, da qual muitos duvidavam, virou um case eleitoral: ele se elegeu deputado federal e virou líder do PSB na Câmara.
Na eleição de 2002, uma ala do PSB apoiou o peemedebista Anthony Garotinho para a eleição presidencial, mas Eduardo Campos aproximou o partido de Lula, começando uma parceria que persiste até hoje. Com as trapalhadas do então presidente do PSB, Roberto Amaral, no Ministério da Ciência e Tecnologia, articulou em causa própria e acabou ocupando a vaga na Esplanada.
Em 2006, com o apoio de Lula, elegeu-se governador. Outro grande trunfo na época foi o arquivamento do processo dos precatórios pelo STF, inocentando Campos e Arraes. A absolvição derrubou a única agenda negativa que os adversários na disputa tinham contra ele.
É casado com a economista e auditora concursada do Tribunal de Contas do Estado Renata e tem quatro filhos — Maria Eduarda, João Henrique, Pedro Henrique e José Henrique. Os adversários dizem que Eduardo Campos difere do avô Miguel Arraes na questão do “patrimonialismo e familismo”. O governador teria transferido a família dele e da mulher para o governo. O irmão João Campos, escritor, virou promotor da Fliporto, uma feira de livros que é particular, mas conta com patrocínios de órgãos estaduais e federais.
Antes de ter a imagem arranhada na cena política nacional pela campanha que fez para eleger a mãe como ministra do Tribunal de Contas da União (TCU), ano passado, ele já tinha se cercado de parentes no Tribunal de Contas do Estado (TCE). A mulher já era auditora concursada. Mas ele indicou e nomeou como conselheiros um primo seu, João Campos; e um primo da mulher é um dos seus homens fortes, Marcos Loreto.
O ex-líder petista Maurício Rands, nomeado secretário de Articulação Institucional do governo de Pernambuco, é primo de Renata. O atual secretário da Casa Civil, Tadeu Alencar, é primo do governador. O pai de Renata, o médico Cyro de Andrade Lima, foi nomeado membro do Conselho de Administração da estatal de saneamento Compesa.
— Hoje, Eduardo Campos deseja se tornar hegemônico na esquerda, sepultando o PT ou subordinando-o inteiramente ao Palácio (das Princesas, sede do governo local). Sobre a oposição, ele mesmo desdenha e diz que ela está falando apenas para 6% do eleitorado, pois 90% o aprovam, segundo as pesquisas, e 4% estão indecisos — diz a ex-deputada tucana Teresinha Nunes, uma das poucas vozes da oposição em Pernambuco.
Um dos mais proeminentes representantes do capital e aliado de primeira hora em Pernambuco, o ex-presidente da Confederação Nacional da Indústria(CNI) e senador eleito em sua chapa, Armando Monteiro Neto (PTB-PE), diz que Eduardo Campos recuperou a autoestima dos pernambucanos ao colocar o estado numa posição de liderança na região.
— Eduardo é o emblema de um novo tempo para Pernambuco — diz Monteiro. O escritor Ariano Suassuna é quase um amuleto que Eduardo Campos carrega desde que deu os primeiros passos na política. Quando nasceu da união do escritor Maximiano Campos e Ana Arraes, sua vizinhança era, na frente, a casa de Ariano. Do lado, a do avô Miguel Arraes. Suassuna tem com ele uma relação paternal e diz que a amizade começou desde antes de ele nascer.
O líder do PT no Senado, Humberto Costa (PE), disputou com Eduardo Campos o governo em 2006, e a campanha não foi nada amena. Agora travam de novo uma guerra surda, porque Campos não quer que ele dispute o governo em 2014 com seu afilhado, o ministro Fernando Bezerra (Integração Nacional), em evidência neste início de ano, acusado de ter favorecido seu estado com recursos para prevenção e combate a enchentes.
A proximidade maior de Campos no PT é com Lula, com quem se reúne amiúde para discutir decisões de governo e alianças regionais.
Na campanha de Dilma, ganhou pontos ao enquadrar e obrigar o correligionário Ciro Gomes (CE) a desistir de se candidatar a presidente. Ganhou eterna gratidão de Lula, mas também um desafeto barulhento no partido. Ciro não o perdoa. Já disse, por exemplo, que Campos não tem a experiência que ele, Ciro, tem em campanhas presidenciais.
— Lula e Dilma ainda vão se arrepender. Eduardo Campos ainda vai dar uma rasteira — aposta, na surdina, um dirigente petista.

Parcerias com o PSDB
Mesmo sendo apontado como um fiel aliado de Lula e Dilma, o governador pernambucano tem parcerias eleitorais com o PSDB de Aécio Neves em vários estados e é estimulado a disputar a Presidência em 2014 por setores da base governista e da oposição — Geddel Vieira Lima (PMDB-BA) e Cássio Cunha Lima (PSDB-PB), por exemplo, consideram que, por seguir desde o início a política bem-sucedida Lula/Dilma, ele teria até mais chances que Aécio Neves.
— Eduardo Campos é hoje a liderança mais destacada do Nordeste e com maior poder de aglutinação — diz Geddel. O cientista político pernambucano Antônio Lavareda, ligado ao PSDB, reconhece seu potencial: — Eduardo Campos conseguiu colocar seu nome na prateleira dos presidenciáveis para 2014. — É um quadro da política nacional que tem contribuído muito com nosso estado. A economia mudou. Eduardo é inteligente, trabalhador e sensível. Não conheço inimigos políticos dele — diz a mãe, Ana Arraes.
A ministra atual do TCU acha que o filho aprendeu bem o ensinamento de que, se vai para uma disputa, tem que ser para ganhar: — Tudo começa na cabeça. Se você coloca na cabeça e vai para uma eleição se sentindo derrotado, vai perder. Não é uma coisa de prepotência, de ganhar de qualquer jeito. Mas seus adversários políticos não concordam que é só uma questão de persistência. Dizem que Eduardo Campos é extremamente agressivo quando quer conquistar alguma coisa. E, se resolvem lhe enfrentar, é no tudo ou nada: "se está comigo ótimo, se está contra mim, espere", contam os inimigos políticos. Adversário de Arraes em 1986 na disputa pelo governo de Pernambuco, o hoje ministro do TCU José Múcio Monteiro conhece Eduardo Campos desde menino. E é farto nos elogios: — Eduardo é um homem simpático, extremamente agradável, mas também extremamente decidido e determinado. E muito duro quando precisa ser. É afável e simpático, mas um gestor duro, que busca muita eficiência de gestão, mais voltado para a história do avô com as classes menos favorecidas.

quarta-feira, 26 de junho de 2013

Os maiores escândalos de corrupção do Brasil

por Claudia Lima


Por causa dela, perdemos R$ 12 bilhões em investimentos privados em 2011 – o equivalente a R$ 1,2 mil pagos anualmente por cada trabalhador brasileiro. Conheça os casos mais notórios dos últimos 20 anos*
10. Me dá um dinheiro aí
CASO: Máfia dos fiscais
ROMBO: R$ 18 milhões
QUANDO: 1998 e 2008
ONDE: Câmara dos vereadores e servidores públicos de São Paulo.
Comerciantes e ambulantes (mesmos aqueles com licença para trabalhar) eram colocados contra a parede: se não pagassem propinas, sofriam ameaças, como ter as mercadorias apreendidas e projetos de obras embargados. O primeiro escândalo estourou em 1998, no governo de Celso Pitta. Dez anos mais tarde, uma nova denúncia deu origem à Operação Rapa.
9. Olha essa mesada!
CASO: Mensalão
ROMBO: R$ 55 milhões
QUANDO: 2005
ONDE: Câmara Federal
Segundo delatou o ex-deputado federal Roberto Jefferson, acusado de envolvimento em fraudes dos Correios, políticos aliados ao PT recebiam R$ 30 mil mensais para votar de acordo com os interesses do governo Lula. Dos 40 envolvidos, apenas três deputados foram cassados. A conta final foi estimada em R$ 55 milhões, mas pode ter sido muito maior.
8. Siga aquela ambulância
CASO: Sanguessuga
ROMBO: R$ 140 milhões
QUANDO: 2006
ONDE: Prefeituras e Congresso Nacional
Investigações apontaram que os donos da empresa Planam pagavam propina a parlamentares em troca de emendas destinadas à compra de ambulâncias, superfaturadas em até 260%. Membros do governo atuavam nas prefeituras para que empresas ligadas à Planam ganhassem as licitações. Nenhum dos três senadores e 70 deputados federais envolvidos no caso perdeu o mandato.
7. Pobre Amazônia
CASO: Sudam
ROMBO: R$ 214 milhões
QUANDO: 1998 e 1999
ONDE: Senado Federal e União
Dirigentes da Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia desviavam dinheiro por meio de falsos documentos fiscais e contratos de bens e serviços. Dos 143 réus, apenas um foi condenado e recorre da sentença. Jader Barbalho, acusado de ser um dos pivôs do esquema, renunciou ao mandato de senador, mas foi reeleito em 2011.
6. Navalha na carne
CASO: Operação Navalha
ROMBO: R$ 610 milhões
QUANDO: 2007
ONDE: Prefeituras, Câmara dos Deputados e Ministério de Minas e Energia
Atuando em nove estados e no Distrito Federal, empresários ligados à Construtora Gautama pagavam propina a servidores públicos para facilitar licitações de obras. Até projetos ligados ao Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e ao Programa Luz Para Todos foram fraudados. Todos os 46 presos pela Polícia Federal foram soltos.
5. Bilhete premiado
CASO: Anões do orçamento
ROMBO: R$ 800 milhões
QUANDO: De 1989 a 1992
ONDE: Congresso Nacional
Sete deputados (os tais “anões”) da Comissão de Orçamento do Congresso faziam emendas de lei remetendo dinheiro a entidades filantrópicas ligadas a parentes e cobravam propinas de empreiteiras para a inclusão de verbas em grandes obras. Ficou famoso o método de lavagem do dinheiro ilegal: as sucessivas apostas na loteria do deputado João Alves.
4. Cadê o fórum?
CASO: TRT de São Paulo
ROMBO: R$ 923 milhões
QUANDO: De 1992 a 1999
ONDE: Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo
O Grupo OK, do ex-senador Luiz Estevão, perdeu a licitação para a construção do Fórum Trabalhista de São Paulo. A vencedora, Incal Alumínio, deu os direitos para o empresário Fabio Monteiro de Barros. Mas uma investigação mostrou que Fabio repassava milhões para o Grupo OK, com aval de Nicolau dos Santos Neto, o Lalau, ex-presidente do TRT-SP. A construção do Fórum nunca foi concluída.
3. Precinho camarada
CASO: Banco Marka
ROMBO: R$ 1,8 bilhão
QUANDO: 1999
ONDE: Banco Central
Com acordos escusos, o Banco Marka, de Salvatore Cacciola, conseguiu comprar dólar do Banco Central por um valor mais barato que o ajustado. Uma CPI provou o prejuízo aos cofres públicos, além de acusar a cúpula do BC de tráfico de influência, entre outros crimes. Cacciola foi detido em 2000, fugiu para a Itália no mesmo ano e, preso em Mônaco em 2008, voltou ao Brasil deportado.
2. Chama o Van Helsing
CASO: Vampiros da Saúde
ROMBO: R$ 2,4 bilhões
QUANDO: De 1990 a 2004
ONDE: Ministério da Saúde
Empresários, funcionários e lobistas do Ministério da Saúde desviaram dinheiro público fraudando licitações para a compra de derivados do sangue usados no tratamento de hemofílicos. Propinas eram pagas para a Coordenadoria Geral de Recursos Logísiticos, que comandava as compras do Ministério, e os preços (bem acima dos valores de mercado) eram combinados antes. Todos os 17 presos já saíram da cadeia.
1. Manda pra fora
CASO: Banestado
ROMBO: R$ 42 bilhões
QUANDO: De 1996 a 2000
ONDE: Paraná
Durante quatro anos, cerca de US$ 24 bilhões foram remetidos ilegalmente do antigo Banestado (Banco do Estado do Paraná) para fora do país por meio de contas de residentes no exterior, as chamadas contas CC5. Uma investigação da Polícia Federal descobriu que as remessas fraudulentas eram feitas por meio de 91 contas correntes comuns, abertas em nome de “laranjas”. A fraude seria conhecida por gerentes e diretores do banco. Foram denunciados 684 funcionários - 97 foram condenados a penas de até quatro anos de prisão. O estado obteve o retorno de arrecadação tributária de cerca de R$ 20 bilhões.

Que lições os partidos brasileiros podem tirar dos protestos?

A descrença nos partidos, traço comum nos protestos que se espalharam pelo país nas últimas semanas, expõe os problemas do atual modelo político brasileiro, mas também pode servir de estímulo para que surjam novas formas de representatividade, na avaliação de especialistas ouvidos pela BBC Brasil.
Segundo sociólogos e cientistas políticos, as legendas continuarão a ser a base do sistema democrático brasileiro, mas agora têm também uma oportunidade de se renovar e reorientar suas agendas para fazer frente aos novos anseios da população.
Os pesquisadores avaliam que as manifestações podem abrir caminho para mudanças no sistema político, com o surgimento de mecanismos que permitam, por exemplo, as candidaturas avulsas - sem filiação partidária, os chamados candidatos 'independentes' - assim como a convocação de plebiscitos e o fortalecimento de entidades civis nas diferentes instâncias do poder público.
Em meio à recente onda de protestos no Brasil, a insatisfação com os partidos políticos têm sido recorrente nas redes sociais. Em São Paulo, integrantes de partidos políticos presentes em uma das manifestações chegaram a ser vítimas de agressões verbais e físicas. Muitos acabaram expulsos do protesto e tiveram material de campanha rasgado e até queimado.
"Pelas manifestações, ficou claro que a sociedade quer maior diálogo com seus representantes, e não a extinção dos partidos políticos", diz à BBC Brasil o cientista político Ricardo Ismael, da PUC-Rio.
"O movimento é apartidário, mas não antipartidário. Há uma necessidade urgente de que os partidos interajam mais com a sociedade, reorientando e renovando suas agendas e práticas", acrescentou.
Cidadania
Ismael lembra que as legendas são apenas "parte integrante" do regime democrático, que não prescinde da "cidadania ativa" para funcionar.
"A pressão da sociedade também faz parte do sistema político", afirma o acadêmico. "Cabe a ela cobrar maior empenho de seus representantes. Democracia não se faz apenas com partidos."
O sociólogo Aldo Fornazieri, diretor da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESPSP), concorda. Para ele, no entanto, há uma "crise de representação partidária", resultado de um distanciamento crônico e histórico entre a sociedade e seus representantes.
"O poder está completamente distante da sociedade", avalia Fornazieri. "É preciso urgentemente uma reforma política que preveja uma maior participação popular na república."
Ele acrescenta que, nesse contexto, poderiam surgir novas formas de representação política, como a eleição de candidatos independentes, sem filiação partidária, por exemplo. "Eu simpatizo muito com essa ideia, pois os partidos, por si só, não conseguem refletir os interesses de todos os setores da sociedade."
Para o cientista político Paulo Baía, da UFRJ, os protestos mostraram o ocaso do "antigo modelo de poder e de política dos partidos".
"Isso não significa, entretanto, que essa legendas vão deixar de existir", observa. "Pelo contrário, elas vão ter de se abrir e se oxigenar caso queiram sobreviver nos tempos atuais."
"As cenas que vimos contra integrantes de partidos políticos em manifestações não era essencialmente antipartidária", avalia Baía. "Era contra a tentativa de os partidos se aproveitarem politicamente de um movimento como sempre fizeram ao longo da história desse país."
Temor
Já o cientista político Milton Lahuerta, professor de teoria política e coordenador do laboratório de política e governo da Universidade Estadual Paulista (Unesp) em Araraquara, vê com preocupação o que chama de "desqualificação dos partidos" em meio à onda de indignação que varre o país.
"Há um sentimento generalizado nas ruas de indignação que passa a desqualificar partidos, o que abre o precedente para a ascensão de líderes carismáticos", afirma. "A democracia não se beneficia da ruptura da sociedade com suas instituições políticas."
Segundo Lahuerta, há um "domínio da lógica econômica sobre a lógica política" que, acentuado durante a globalização, "ampliou o distanciamento entre a sociedade e seus representantes".
"O tempo da política é lento, enquanto o da economia é acelerado, especialmente com a interação dos mercados", analisa. "Isso cria problemas, pois o processo político, que exige reflexão, não acompanha o ritmo das demandas da população."
"Precisamos, na prática, de uma participação política mais qualificada, uma vez que nossos políticos participam pouco da decisão de questões fundamentais que impactam a sociedade como um todo", acrescenta.
Lahuerta cita como exemplo dessa "desqualificação da política" as divergências partidárias que impedem a aprovação de projetos importantes para o país.
"Em vez de buscar soluções conjuntas, representantes de partidos opostos preferem trocar acusações sobre a origem dos problemas. Isso enfraquece o ideal da república, pois é um pensamento puramente eleitoreiro", conclui o cientista político.

Constituinte para reforma política

POR CARLOS GUILHERME MOTA*
“A rebeldia atual nas ruas do Brasil não se prende, é claro, a tarifas de ônibus. Ela é uma grave e profunda denúncia da situação a que chegaram todos os serviços públicos – hospitais, transportes, portos, aeroportos, presídios. Agride o País o fato de não termos escolas nem hospitais “padrão Fifa”. Só estádios.
O que esses acontecimentos revelam é que há mais vozes e atores sociais que os tradicionalmente visualizados. Que muito além dos jardins do Palácio do Planalto há gente. E muita, muita gente sofrida, ralada e até irada, vítima de aberrações que ocorrem há mais de 50 anos, por causa da opção automobilística que data dos tempos de Getúlio, JK e militares – e que aumenta até os dias de hoje, dias nefastos em que o automóvel é rei.
Até a tal “classe C” que pôde viajar para o exterior volta da viagem para as 11 horas de espera para atendimento de urgência num hospital, meses para uma cirurgia, tristes horas todo dia dentro de um ônibus.
Esse divórcio entre governados e governantes não é novo. Estava presente no fim da ditadura militar, no fim da ditadura de Vargas em 1945. Só não tínhamos então esses elementos novos, a cultura digital, as redes sociais, que independem de lideranças tradicionais para ter voz. O mundo político não estava preparado para essa súbita chegada da globalização a seus pagos.
A questão é que atravessamos uma crise de regime. Cabe lembrar que a Revolução Francesa, em 1789, eclodiu por causa do custo do pão – mas outros fatores concorreram para se detonar, então, o processo revolucionário: corrupção, injustiça, clientelismo, péssimas condições de vida, alta carga de impostos. Nossos governantes de hoje, de Gilberto Kassab a Geraldo Alckmin, de Eduardo Paes a Sergio Cabral, passando pelos Rui Falcão e Garotinhos, deviam prestar atenção ao que disse o historiador inglês Eric Hobsbawn, que definiu o Brasil como o “campeão da irresponsabilidade social”. Mas um dos nossos problemas é que nos faltam estadistas.
Não por acaso, os radicais do movimento foram para cima dos símbolos do poder – Prefeitura e Bandeirantes em São Paulo, Assembleia no Rio, ministérios em Brasília, O susto já foi dado nas classes políticas. Certamente, está todo mundo reavaliando seu discurso, suas atitudes, suas conveniências.
Que a presidente Dilma, leitora de bons livros e conhecedora de exemplos que a História Mundial oferece, fique atenta. Em situações de grave crise nacional, o remédio que a História ensina é o da convocação de uma Assembleia Constituinte exclusiva – voltada especificamente para definir as diretrizes, enfim, de uma reforma política. Não se rompe o atual divórcio entre Estado e cidadãos sem limitação ao número de partidos, sem critérios etico-políticos na representação dos deputados e senadores – que devem atuar na defesa dos cidadãos, hoje reduzidos a meros súditos-contribuintes. E essa reforma poderia estar voltada, também, para melhor controle de gastos públicos, para uma definição mais concreta de obrigações do Estado no campo da saúde, da educação.
A sociedade manifestou-se claramente. Exige transparência, rigor e competência. Que sejam tomadas providências enquanto o quadro nacional não piore!”
*Carlos Guilherme Mota é historiador, professor emérito da USP e professor da Universidade Mackenzie.