segunda-feira, 3 de setembro de 2012

Sistema de parentela ?

A eleição marcada para outubro próximo tem alguns pontos que merecem registro, notadamente quando se trata de candidaturas a prefeito no interior do Estado. Em alguns municípios, a chapa na disputa pela prefeitura unem pais e filhos, genros e noras, irmãos, esposos e esposas, entre outras curiosidades para o eleitor.
Em uma rápida pesquisa junto aos registros de candidaturas solicitados junto à Justiça eleitoral, conseguimos levantar que em pelo menos 12 das 102 cidades alagoanas, existem chapas compostas por candidatos que possuem grau de parentesco bem próximo, a exemplo de Delmiro Gouveia onde o prefeito Lula Cabeleira, disputa à reeleição tendo como candidata a vice sua filha, a ex-deputada estadual Ziane Costa, atual vice-prefeita, ambos no PMDB.
No caso de irmãos formando chapa como candidatos a prefeito e a vice, o fato ocorre em Messias, com Jarbas Omena (PSDB) e Luiz Emílio (PSC); em Belém, com Ana Paula Antero Santa Rosa (PRP) e Ana Patrícia Antero Santa Rosa (PSDB) – filhas da ex-prefeita Maria Helena Santa Rosa –; em Campo Grande com Cícero Pinheiro e Adailton Pinheiro, ambos no PDT; além de Limoeiro de Anadia onde Jorge Nivaldo (PSD) é candidato a prefeito com a irmã Graça Albuquerque (PSC).
Em Murici, a chapa majoritária une tio e sobrinho. Remi Calheiros, atual prefeito é candidato à reeleição tendo como candidato a vice o sobrinho Olavo Neto, ambos do PMDB. Já em Girau do Ponciano, as posições foram invertidas. Bebeto Barros, do PMDB, é candidato a prefeito tendo como candidato a vice, o tio Basto Barros, do PTB.
Há ainda os casos em que pai e filho formam a chapa majoritária, sejam como candidatos a prefeito e a vice, ou vice-versa, como em Tanque D’Árca, com Manuel Valente de Lima Neto (PP) e seu pai, José Rubem (PSDB) tentam voltar ao comando do município; e em Chã Preta com Audálio Holanda (PSDB) e Maurício Holanda (PMDB). Em Tanque D’Árca, Manuel Valente e seu pai, José Rubem, já exerceram o mandato de prefeito.
Em Coruripe, a chapa majoritária é formada pelo deputado federal e ex-prefeito Joaquim Beltrão (PMDB) e sua esposa, Dalva Edith (PRB) como candidatos a prefeito e a vice, mesmo caso registrado em Maravilha com o atual prefeito Márcio Gomes (PSC) formando chapa com a esposa Maria da Conceição Ribeiro de Albuquerque (PSDB) na disputa eleitoral de outubro.
O último caso que merece registro é o de Traipu, onde o atual prefeito Marcos Santos (PTB) – embora afastado do cargo por decisão judicial – é novamente candidato ao cargo mantendo como sua candidata a vice, a nora Julliany Machado (PTB). Pelo visto o gosto pela política ajuda também a unir parentes em vários municípios, mesmo havendo alguns casos em que ela [a política] separa famílias, como em Pilar.
Lá a disputa eleitoral envolve o ex-prefeito Carlos Alberto Canuto (PMDB) e o sobrinho, Renato Rezende (PSDB), atual prefeito e candidato à reeleição em outubro.
Fonte: Blog do Valderi

sábado, 11 de agosto de 2012

RN - Dominação de três famílias

Nenhuma bancada tem poder tão concentrado
em núcleos familiares como a potiguar

O pai senador chama o filho de nobre deputado. O filho senador chama o pai de nobre senador e o primo, de nobre deputado. A deputada chama o primo, seu adversário político, de nobre deputado. Na bancada do Rio Grande do Norte no Congresso é assim: política se faz em família. Mais especificamente por três famílias.
Nenhuma bancada tem o poder tão concentrado nas mãos de tantos parentes como a potiguar. Dos 13 parlamentares que assumiram o mandato na atual legislatura pelo estado, oito carregam um dos três sobrenomes: Maia, Alves ou Rosado. Outros três deputados também têm parentes na política. Apenas dois parlamentares – a deputada Fátima Bezerra (PT-RN) e o senador Paulo Davim (PV-RN), suplente em exercício – não são de família política.
O senador que chama o filho de nobre deputado é José Agripino Maia (RN), ex-líder do DEM no Senado. O filho senador que chama o pai de nobre colega é o licenciado Garibaldi Alves Filho (PMDB-RN), herdeiro do também senador Garibaldi Alves (PMDB-RN), tio do deputado Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN). A deputada que chama o primo de nobre deputado é Sandra Rosado (PSB-RN). Ela e o primo deputado Betinho Rosado (DEM-RN) representam duas alas da família que se digladiam pelo poder local.
Líder do PMN na Câmara, Fábio Faria também vem de linhagem política. Seu pai, Robinson Faria, foi presidente da Assembleia Legislativa por duas legislaturas e atualmente é vice-governador. Eles são parentes distantes da ex-governadora Wilma Faria (PSB). Outros três deputados potiguares têm berço político: Rogério Marinho (PSDB), neto do ex-deputado Djalma Marinho e filho do suplente de senador Valério Marinho; Paulo Wagner (PV), neto do ex-vereador de Areia Branca (RN) Euclides Leite Rebouças, e João Maia (PR-RN), primo distante de Agripino e Felipe Maia, é irmão do deputado distrital Agaciel Maia (PTC), ex-diretor-geral do Senado. 

Mídia e herdeiros

             Além da tradição política iniciada em meados do século passado, as famílias Maia, Alves e Rosado têm em comum o controle de importantes veículos de comunicação, como rádios, TVs e jornais, e a preparação de herdeiros políticos na linha de sucessão, uma mostra de que seu poderio está longe de acabar.
Filho do ex-deputado e ex-governador Tarcísio Maia, primo do ex-governador Lavoisier Maia, Agripino tem no filho Felipe Maia, de 37 anos, seu sucessor político. Os dois são sócios da TV Tropical, afiliada da Record no Rio Grande do Norte, e de emissoras de rádio que fazem parte da Rede Tropical.
A influência política dos Maia transcende as divisas do Rio Grande do Norte. O tio de Agripino, João Agripino Maia foi senador e governador da Paraíba, berço da família. Recém-empossado na presidência do Democratas, o senador é também primo do ex-prefeito do Rio César Maia (DEM), pai do deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ), ex-presidente do DEM.

Pais e filhos

              Licenciado do mandato desde o início do ano, quando assumiu o Ministério da Previdência, Garibaldi Alves Filho teve pouco tempo para dividir a bancada com o senador Garibaldi Alves (PMDB-RN). Ex-vice-governador, Garibaldi Alves herdou a vaga da ex-senadora Rosalba Ciarlini (DEM-RN), de quem era suplente, com a eleição dela para o governo do estado. Garibaldi pai e Garibaldi Filho já preparam sucessor: o deputado estadual Walter Alves (PMDB), de 30 anos, filho do ministro da Previdência. 
Mais idoso entre todos os senadores, com 87 anos, Garibaldi Alves tem no sobrinho outro detentor de impressionante marca. Aos 62 anos, o líder do PMDB, Henrique Eduardo Alves é atualmente o deputado mais antigo da Câmara, aquele que detém o maior número de mandatos. Na Casa desde 1971, Henrique Eduardo caminha para um recorde: está no 11º mandato, mesma marca alcançada pelo ex-deputado Ulysses Guimarães (PMDB-SP). Ele chegou ao Congresso logo após a cassação do pai, o ex-deputado, ex-governador e ex-ministro Aluizio Alves.
Historicamente ligada ao PMDB, a família Alves também tem hoje ramificações no PDT: é o irmão de Aluizio e Garibaldi, o deputado estadual Agnelo Alves (PDT-RN). Ex-prefeito de Natal e Parnamirim, Agnelo chegou a ocupar uma vaga no Senado como suplente. O filho dele, Carlos Eduardo Alves (PDT), foi prefeito de Natal e concorreu no ano passado, sem sucesso, ao governo do Rio Grande do Norte. 
A família Alves criou o Sistema Cabugi de Comunicação, do qual fazem parte a InterTV Cabugi, afiliada da Globo no Rio Grande do Norte, e emissoras como a Rádio Globo Natal e a Rádio Difusora (Mossoró), e o jornal Tribuna do Norte, periódico presidido por Henrique Eduardo Alves.

Rosado x Rosado

             Os Rosado também têm seus veículos de comunicação, como a TV Mossoró, a FM 93, o jornal O Mossoroense, e a Rede Potiguar de Comunicação (RPC). Casada com o primo e ex-deputado Laíre Rosado, Sandra também tem herdeiro político: Lahyre Rosado Neto (PSB) é vereador em Mossoró e a filha Larissa Rosado (PSB) é deputada estadual.
Sandra e Betinho encabeçam dois grupos que rivalizam dentro da própria família. Os Rosado comandam a política em Mossoró, segunda maior cidade do estado, há mais de meio século (link para matéria sobre os Rosado). Na falta de rivais fora da família, os Rosado se tornaram os principais inimigos dos Rosado. 
Uma ala, liderada por Sandra e seu marido, o ex-deputado Laíre Rosado, seu primo, deixou o antigo PDS para se abrigar no PMDB em 1985, onde ficou até 2004, quando passou para o PSB. A outra, capitaneada pelo ex-deputado estadual Carlos Augusto Rosado (PFL), marido da governadora Rosalba Ciarlini (DEM), comanda hoje o governo estadual. Carlos é irmão de Betinho Rosado e primo-adversário de Sandra e Laíre.

Fonte: Congresso em Foco

sábado, 4 de agosto de 2012

A ilusão do sufrágio universal

Mikhail Bakunin

Os homens acreditavam que o estabelecimento do sufrágio universal garantia a liberdade dos povos. Mas infelizmente esta era uma grande ilusão e a compreensão da ilusão, em muitos lugares, levou à queda e à desmoralização do partido radical. Os radicais não queriam enganar o povo, pelo menos assim asseguram as obras liberais, mas neste caso eles próprios foram enganados. Eles estavam firmemente convencidos quando prometeram ao povo a liberdade através do sufrágio universal. Inspirados por essa convicção, eles puderam sublevar as massas e derrubar os governos aristocráticos estabelecidos. Hoje depois de aprender com a experiência, e com a política do poder, os radicais perderam a fé em si mesmos e em seus princípios derrotados e corruptos. Mas tudo parecia tão natural e tão simples: uma vez que os poderes legislativo e executivo emanavam diretamente de uma eleição popular, não se tornariam a pura expressão da vontade popular e não produziriam a liberdade e o bem estar entre a população? 
Toda decepção com o sistema representativo está na ilusão de que um governo e uma legislação surgidos de uma eleição popular deve e pode representar a verdadeira vontade do povo. Instintiva e inevitavelmente, o povo espera duas coisas: a maior prosperidade possível combinada com a maior liberdade de movimento e de ação. Isto significa a melhor organização dos interesses econômicos populares, e a completa ausência de qualquer organização política ou de poder, já que toda organização política se destina à negação da liberdade. Estes são os desejos básicos do povo. Os instintos dos governantes, sejam legisladores ou executores das leis, são diametricamente opostos por estarem numa posição excepcional. 
Por mais democráticos que sejam seus sentimentos e suas intenções, atingida uma certa elevação de posto, vêem a sociedade da mesma forma que um professor vê seus alunos, e entre o professor e os alunos não há igualdade. De um lado, há o sentimento de superioridade, inevitavelmente provocado pela posição de superioridade que decorre da superioridade do professor, exercite ele o poder legislativo ou executivo. Quem fala de poder político, fala de dominação. Quando existe dominação, uma grande parcela da sociedade é dominada e os que são dominados geralmente detestam os que dominam, enquanto estes não têm outra escolha, a não ser subjugar e oprimir aqueles que dominam. Esta é a eterna história do saber, desde que o poder surgiu no mundo. Isto é, o que também explica como e porque os democratas mais radicais, os rebeldes mais violentos se tornam os conservadores mais cautelosos assim que obtêm o poder. Tais retratações são geralmente consideradas atos de traição, mas isto é um erro. A causa principal é apenas a mudança de posição e, portanto, de perspectiva. 
Na suíça, assim como em outros lugares, a classe governante é completamente diferente e separada da massa dos governados. Aqui, apesar da constituição política ser igualitária, é a burguesia que governa, e é o povo, operários e camponeses, que obedecem suas leis. O povo não tem tempo livre ou educação necessária para se ocupar do governo. Já que a burguesia tem ambos, ela tem de ato, se não por direito, privilégio exclusivo. Portanto, na Suíça, como em outros países a igualdade política é apenas uma ficção pueril, uma mentira. 
Separada como está do povo, por circunstâncias sociais e econômicas, como pode a burguesia expressar, nas leis e no governo, os sentimentos, as idéias, e a vontade do povo? É possível, e a experiência diária prova isto. Na legislação e no governo, a burguesia é dirigida principalmente por seus próprios interesses e preconceitos, sem levar em conta os interesses do povo. É verdade que todos os nossos legisladores, assim como todos os membros dos governos cantonais são eleitos, direta ou indiretamente, pelo povo. 
É verdade que, em dia de eleição, mesmo a burguesia mais orgulhosa, se tiver ambição política, deve curvar-se diante de sua Majestade, a Soberania Popular. Mas, terminada a eleição, o povo volta ao trabalho, e a burguesia, a seus lucrativos negócios e às intrigas políticas. Não se encontram e não se reconhecem mais. Como se pode esperar que o povo, oprimido pelo trabalho e ignorante da maioria dos problemas, supervisione as ações de seus representantes? Na realidade, o controle exercido pelos eleitores aos seus representantes eleitos é pura ficção, já que no sistema representativo, o controle popular é apenas uma garantia da liberdade do povo, é evidente que tal liberdade não é mais do que ficção.

terça-feira, 12 de junho de 2012

A ética do coronelismo


Autor: Roberto Da Matta

Nos idos de 1960, um humilde sertanejo do antigo Estado de Goiás me disse o seguinte sobre o sistema político brasileiro: “Todo mundo tem patrão e empregado. Só Deus não tem patrão e não deve favor a ninguém! O resto tudinho tem um lado forte e um lado fraco! É patrão e doador (seu lado forte) e cliente e recebedor (seu lado fraco). Por isso, todo mundo tem o rabo preso!”. Confesso que fiquei sobressaltado com essa moralidade que punha todos os relacionamentos em uma escala que ligava os patrões – os mandões e os coronéis – a seus empregados, capangas e partidários; e, mais ainda, pelo fato de que a fórmula mostrava como todos estavam divididos entre credor e devedor. Sendo o Brasil assim, a descoberta de que Fernando Bezerra Coelho – descendente de uma ilustre e eficiente estirpe coronelista do Nordeste e atual ministro da Integração Nacional – nomeava parentes e, paralelamente, desintegrava suas verbas, favorecendo seu Estado, Pernambuco, não deveria causar assombro.
Esquecer que cuidamos primeiro dos nossos é algo semelhante a não recordar que todos queremos um jeitinho, que somos nazistas no volante, que achamos normal o roubo da coisa pública, predestinada para o furto; que temos gosto em fumar em local proibido e, por fim mas não por último, que temos o dever de perguntar ao amigo do peito o que ele quer quando entramos no governo. Ou seja, quando temos emprego para “dar” sem nenhum prejuízo para a empresa que é o Estado – essa Viúva ou a Grande Prostituta (como dizem nossos irmãozinhos latino-americanos com senso de realidade) – cuja riqueza até ontem era tida como infindável e que, pertencendo a todos, pertenceria aos governantes do momento. Daí chegamos ao caudilhismo – a politicagem e o personalismo que excluem as pessoas, pois nos autoritarismos o poder não está a serviço da sociedade, mas dos donos da máquina pública. Recolher impostos de todos para gastar com os nossos (porque são nossos) é o ponto central da ética do coronelismo.
Diante disso, pergunta-se: como gastar dinheiros públicos sem isenção, quando somos incessantemente motivados por nossas famílias, compadres e amigos? Quando somos todos patrões de um lado e clientes de outro – e como patrões usamos a lei contra o cliente, mas, como clientes, queremos tê-la a nosso favor? Afinal, os governos passam, mas os irmãos, os tios, os primos, os amigos e os cunhados ficam. E nossa vida sexual, bem como nossa paz de espírito e senso de integridade, depende muito mais deles do que – e aí está o problema! – da polícia, do Ministério da Fazenda, da escola pública e do posto de saúde que nos faz esperar 12 horas numa sala imunda. Dane-se o Estado, viva a família. Por tudo isso, e por jamais ter sido devidamente politizado, o que é público é, no Brasil, sinal de pornografia e de prostituição.
Como, então, seguir o sábio conselho do historiador romano Cornélio Tácito – o famoso sine ira et studio (sem cólera ou parcialidade)? Esse princípio que inspirou Max Weber como a atitude mais adequada? Que serviu de base para a impessoalidade igualitária – base das democracias modernas? Como, com base nesses princípios, contrastar com os modos de governo tradicionais no país, fundados justamente no poder da família, do carisma e dos elos pessoais? Num universo social como o brasileiro, fundado numa economia e num sistema legal escravista, centrado na desigualdade e nas relações pessoais (os escravos precisavam ser mantidos na ignorância), como bloquear o oceano de práticas culturais baseadas nas hierarquias do dar para receber? Como operar sem o viés dos elos pessoais e familísticos que ordenam todas as esferas da vida? Como esquecer a importância capital da “casa” (que congregava, como faz até hoje, patrões e empregados harmonizando as mais brutais desigualdades) se era precisamente na família onde se centrava a operação do sistema?
O caso Bezerra desnuda um lado de nossa vida política que os partidos políticos, a divisão de poderes no melhor estilo do Barão de Montesquieu, os diários oficiais e os códigos legais escondem. Pois se neles a lei é feita para indivíduos enquanto cidadãos, o clientelismo nepotista do ministro pernambucano – que pertence, pasmem, aos quadros do Partido Socialista Brasileiro – mostra que ao lado do cidadão coexistem, mais ou menos escondidos, o tio, o primo, o irmão e o pai. Ou seja: antes de saber das competências e das necessidades para um cargo público, temos os parentes, os compadres, os amigos e, no lulo-petismo de hoje em dia, os partidários. O Brasil moderno, não cabe dúvida discutir, é um país feito de cidadãos sujeitos absolutos da lei e sobretudo do mercado que vale para todos; mas – eis o problema que hoje fere mais do que ontem – há também uma teia de relações cujo dado crítico continua sendo o velho parentesco, pai do clientelismo.
Afinal de contas, somos republicanos ou monárquicos? Nascemos no Novo Mundo ou em Roma? Quem deve ser nomeado? O mais competente, como ocorre no futebol? Ou o parente feito do mesmo sangue a quem devemos favores desde o nascimento? Quem deve receber a verba? A região mais atingida pelas enchentes ou nosso torrão natal, o lugar dos nossos conterrâneos, governado por nossa família? Se na era Vargas e na ditadura militar o Brasil tinha um patrão que despoticamente dava ou tirava direitos, será que hoje – com mercado, competição, internet, Banco Central, moeda estável, telefonia sem fio, globalização e uma imprensa não só livre, mas profissional e eficiente, que divulga e (muito mais que isso) faz pensar – continuamos na mesma? Paramos ou não no tempo em termos de política, de justiça e de administração pública igualitária e democrática?
Essas são as questões que o caso do ministro da Integração Nacional levanta com sua conduta clientelística. Se fomos marcados desde o início por um documento que terminava com Pero Vaz de Caminha pedindo um favor ao rei Dom Manuel, pois boas notícias se pagam com bons presentes, cabe perguntar até quando iremos continuar a viver num mundo onde a igualdade é sempre preterida – e, em seu lugar, valem os laços de família.
A questão é saber até onde quem tem o controle do Estado, e pode mudar as regras do jogo, vai continuar a – em nome do povo e dos pobres – usar a máquina pública em favor da família, dos amigos e do partido. A privatização passa, no Brasil, pelo elo pessoal, não exclusivamente pela dimensão empresarial. Falamos em igualdade, mas continuamos a ter pessoas que são maiores do que os cargos que ocupam. E, o que é pior, jamais discutimos a ética desses cargos. Que não podem pertencer a partidos ou indivíduos porque são do Brasil. Mesmo tendo partidos, a lógica do poder à brasileira contempla mais as pessoas – com suas manias e fobias – que as ideologias que, por isso mesmo, desmoronam do mesmo modo que nossas estradas e pontes debaixo das tempestades. As chuvas começam na natureza, mas acabam no velho nepotismo que jamais foi erradicado entre nós. Temos leis universais que valem para todos, mas o sistema insiste em funcionar como um coronel, como uma ação entre amigos.
Fonte: Época, 30/01/2012

quarta-feira, 6 de junho de 2012

As poucas familias que mandam no nordeste

De cada dez deputados da região, seis têm políticos na família. Prática é quase regra na Paraíba, no Rio Grande do Norte e em Alagoas, mas também é recorrente mesmo nos estados mais ricos do país
Berço de alguns dos mais poderosos clãs políticos do país, o Nordeste é a região que concentra o maior número de deputados com parentes na política. Tanto proporcionalmente quanto em números absolutos. De cada dez parlamentares que assumiram o mandato por um dos nove estados nordestinos, seis têm algum parentesco com outras figuras do mundo político. A prática da política em família é comum a 97 dos 161 deputados da região. 
São nordestinos seis dos dez estados em que isso é mais frequente. A única unidade federativa da região em que os parentes de políticos são minoria é, curiosamente, o Maranhão, terra da família Sarney. Dos 20 parlamentares que assumiram o mandato pelo estado este ano, entre titulares, suplentes e licenciados, nove (45%) entrelaçam os laços políticos e familiares. Entre eles, o deputado Sarney Filho (PV-MA), herdeiro do presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP).
Para o historiador José Octávio de Arruda Mello, professor aposentado da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), o predomínio de determinadas famílias na política nordestina mostra que o coronelismo está bem vivo na região. Mas sob nova roupagem.

“Coronelismo ilustrado”

“Não tem mais o bico de pena, do voto de cabresto, mas tem o sistema de aliança, que é mais fluido. As alianças vão desde a base até em cima. É urbano. O coronel tradicional tinha cartucheira atravessada no peito. O neocoronel é um homem de cidade. São bacharéis, pessoas ilustradas, mas que sabem onde está o peso da máquina, onde está a força do poder. Eles costumam penetrar nas universidades. É um coronelismo ilustrado, mas é um coronelismo”, considera.
O professor afirma que as grandes famílias se apropriaram do poder no Brasil, principalmente nas regiões mais pobres, rateando a máquina pública entre seus representantes. “Elas rateiam o poder, colocando seus representantes nas posições decisórias. Elas estão também no Judiciário. É o estamento, a comunidade de poder que não se renova. No Legislativo isso é mais visível.”

Como mostrou o Congresso em Foco, os três estados do país onde essa combinação é mais recorrente são a Paraíba, o Rio Grande do Norte e Alagoas. Onze dos 12 representantes paraibanos na Câmara vêm de família com tradição política. O mesmo se dá com oito dos nove potiguares e com sete dos nove alagoanos. No Rio Grande do Norte, aliás, mais da metade da bancada provém de apenas três grupos familiares: os Alves, os Maia e os Rosado.

Herança de pai para filho na política garante famílias no poder por gerações



Wanderley Preite Sobrinho, do R7
Os exemplos de homens públicos que montam uma carreira política e a entregam ao filho como herança acompanham o Brasil desde os tempos coloniais. De geração em geração, eles vão garantindo sua permanência no poder.
Para o professor de direito público da UFPR (Universidade Federal do Paraná), Fabrício Tomio, “quando o voto é nominal, é mais fácil transferir o prestígio pelo sobrenome”, o que acontece até em países ricos.
Os exemplos de filhos que seguem a trilha traçada pelos pais na política são inúmeros.
Em Alagoas, Renanzinho (PMDB) – deputado federal e ex-prefeito de Murici – segue o pai, o senador Renan Calheiros (PMDB-AL), um dos ex-presidentes da Casa que mais responderam a denúncias de corrupção.
No Maranhão, a família Sarney é conhecida como um dos principais clãs na política nacional, dá nome a diversos prédios públicos e ruas, e é dona dos meios de comunicação no Estado. A atual governadora é Roseana Sarney, filha do presidente do Senado, José Sarney, eleito pelo Amapá.
A cientista política da Ufscar (Universidade Federal de São Carlos), Maria do Socorro, diz que, no Sudeste, Minas Gerais é o Estado com maior número de clãs.
Em Minas há várias famílias que tentaram se perpetuar no poder, e algumas conseguiram, como a família de Tancredo Neves, representada hoje pelo senador presidenciável Aécio Neves (PSDB).
Ela diz que “na maior parte das vezes há menos vocação e mais interesse de perpetuação política”.
Quando se controla as esferas de poder, se controlam os ganhos dos setores que eles representam porque, quanto maior o controle político, maior é a influência econômica. Essa rede de contatos aumenta a influência e o poder da família que reúne essa gente em torno de si.

Nepotismo

Um estudo do sociólogo Ricardo Costa de Oliveira tentou provar que essas oligarquias geram outro subproduto: "A conexão entre famílias da classe dominante com as atividades públicas é tema central na análise do fenômeno do nepotismo", quando alguém com cargo público emprega familiares e amigos na máquina estatal.
Ele cita o caso de Jackson Lago (PDT), ex-governador do Maranhão morto em abril deste ano, que sempre negou as acusações de favorecimento. "Ele montou a maior rede de nepotismo em administrações estaduais do país. O listão de parentes e contraparentes nomeados por Lago para cargos públicos chegou a 23 pessoas, entre elas dois irmãos, quatro sobrinhos, três primos e um genro", aponta o estudo.
A cientista política Maria do Socorro afirma que "quando se tem o controle sobre o Estado e uma grande reserva de cargos, o governante pode usar esses cargos de forma pouco republicana.
Tomio, professor da UFPR, diz que, "na medida em que alguns grupos políticos controlam meios de comunicação, isso favorece esses grupos na política, familiarmente".
Não é uma relação pessoal com o eleitor. Se a mídia é pouco plural e é controlada por grupos políticos, favorece os grupos familiares e agregados quanto ao uso do próprio Estado como mecanismo de ampliação de patrimônio e renda.
A prática de nepotismo acaba ganhando força pelo uso indiscriminado de nomeações para "cargos comissionados", conhecidos como cargos de confiança, quando a peculiaridade da função dispensa a necessidade de concurso. A professora diz que "o que tem ocorrido é usar os cargos comissionados para praticar nepotismo em detrimento de pessoas com mais competência técnica".
Cargos comissionados é um terreno fértil para a prática do nepotismo.

terça-feira, 3 de abril de 2012

A Democracia entre o legal e o legitimo


Gercinaldo Moura*
O conceito clássico de democracia é tão pouco questionável, quanto é muito questionável a legitimidade do que é democrático.
Não estamos falando da perspectiva legal, mas da própria aplicabilidade da perspectiva conceitual da Lei.
Essa análise se evidência com forte nitidez em um pleito eleitoral. Taí uma boa circunstancia para analisar a legitimidade de um resultado supostamente democrático.
No Brasil, aproximadamente setenta municípios tem mais de 200 mil eleitores. Esse é o pré-requisito para ter eleição de 2º turno. O restante, ou seja, os mais de cinco mil municípios do país só tem eleição de 1º turno. Isso significa que nos mais de cinco mil municípios quando há disputa entre mais de dois candidatos ao executivo, poderá ser eleito o candidato com o maior numero de votos, porem preterido pela maioria dos eleitores, isso tudo democraticamente, a partir do conceito legal de democracia.
De forma mais clara, seria mais ou menos assim:
Candidato (A) tem 30% dos votos, candidato (B) 30% e candidato (C) 40%, totalizando os 100% (fora os brancos e nulos). Resultado: Embora o candidato (C) não tenha sido o escolhido pela maioria dos eleitores (pelo menos 50% +1), irá ser o prefeito eleito, e governará com as prerrogativas da legalidade democrática. É importante destacar, neste exemplo, que a medida que aumenta o número de candidatos, o percentual de votos do candidato eleito poderá cada vez mais  diminuir.
 Isso acontece porque a democracia do nosso processo eleitoral considera quem tem o maior numero de votos, e não quem tem o voto da maioria dos eleitores.
A partir daí começa o debate em torno de que nem tudo que é legal é legitimo. A legitimidade, assim como a justiça, só por coincidência se afeiçoa a Lei.
A democracia, como pressuposto fundante da nossa legislação e representada em sua máxima amplitude nos momentos das eleições, revela literalmente a assertiva de que a Lei, embora não pareça, funciona no papel e na prática.
Daí a razão pela qual achamos, equivocadamente, que o poder político, e às vezes,  até econômico, é exercido ou conquistado de forma ilegal. Pode até ser ilegítimo imoral, mas não ilegal!!
Às vezes a Lei parece não funcionar na prática, porque se fundamenta em postulados formalmente distorcidos, como a própria idéia de democracia, que dificilmente chega a concretizar-se de maneira legitima quando seu conceito se associa ao conceito clássico da Lei.
Na verdade não passa de uma manifestação formal que dissimuladamente legaliza a antidemocracia.



* http://www.gercinaldomoura.blogspot.com   - gercinaldomoura@yahoo.com.br  - Twitter: @gercinaldomoura.com