quarta-feira, 8 de janeiro de 2014

Sarney, o homem incomum (A desgraça do Maranhão)

Leandro Fortes
Há anos, nem me lembro mais quantos, os principais colunistas e repórteres de política do Brasil, sobretudo os de Brasília, reputam ao senador José Sarney uma aura divinal de grande articulador político, uma espécie de gênio da raça dotado do dom da ponderação, da mediação e do diálogo. Na selva de preservação de fontes que é o Congresso Nacional, estabeleceu-se entre os repórteres ali lotados que gente como Sarney – ou como Antonio Carlos Magalhães, em tempos não tão idos – não precisa ser olhada pelas raízes, mas apenas pelas folhagens. Esse expediente é, no fim das contas, a razão desse descolamento absurdo do jornalismo brasiliense da realidade política brasileira e, ato contínuo, da desenvoltura criminosa com que deputados e senadores passeiam por certos setores da mídia.
Olhassem Sarney como ele é, um coronel arcaico, chefe de um clã político que há quatro décadas domina a ferro e fogo o Maranhão, estado mais miserável da nação, os jornalistas brasileiros poderiam inaugurar um novo tipo de cobertura política no Brasil. Começariam por ignorar as mentiras do senador (maranhense, mas eleito pelo Amapá), o que reduziria a exposição de Sarney em mais de 90% no noticiário nacional. No Maranhão, a família Sarney montou um feudo de cores patéticas por onde desfilam parentes e aliados assentados em cargos públicos, cada qual com uma cópia da chave do tesouro estadual, ao qual recorrem com constância e avidez. O aparato de segurança é utilizado para perseguir a população pobre e, não raras vezes, para trucidar opositores. A influência política de Sarney foi forte o bastante para garantir a derrubada do governador Jackson Lago, no início do ano, para que a filha, Roseana, fosse reentronizada no cargo que, por direito, imaginam os Sarney, cabem a eles, os donatários do lugar.
José Sarney é uma vergonha para o Brasil desde sempre. Desde antes da Nova República, quando era um político subordinado à ditadura militar e um representante mais do que típico da elite brasileira eleita pelos generais para arruinar o projeto de nação – rico e popular – que se anunciava nos anos 1960. Conservador, patrimonialista e cheio dessa falsa erudição tão típica aos escritores de quinta, José Sarney foi o último pesadelo coletivo a nós impingido pela ditadura, a mesma que ele, Sarney, vergonhosamente abandonou e renegou quando dela não podia mais se locupletar. Talvez essa peculiaridade, a de adesista profissional, seja o que de mais temerário e repulsivo o senador José Sarney carregue na trouxa política que carrega Brasil afora, desde que um mau destino o colocou na Presidência da República, em março de 1985, após a morte de Tancredo Neves.
Ainda assim, ao longo desses tantos anos, repórteres e colunistas brasileiros insistiram na imagem brasiliense do Sarney cordial, erudito e mestre em articulação política. É preciso percorrer o interior do Maranhão, como já fiz em algumas oportunidades, para estabelecer a dimensão exata dessa visão perversa e inaceitável do jornalismo político nacional, alegremente autorizado por uma cobertura movida pelos interesses de uns e pelo puxa-saquismo de outros. Ao olhar para Sarney, os repórteres do Congresso Nacional deveriam visualizar as casas imundas de taipa e palha do sertão maranhense, as pústulas dos olhos das crianças subnutridas daquele estado, várias gerações marcadas pela verminose crônica e pela subnutrição idem. Aí, saberiam o que perguntar ao senador, ao invés de elogiar-lhe e, desgraçadamente, conceder-lhe salvo conduto para, apesar de ser o desastre que sempre foi, voltar à presidência do Senado Federal.
Tem razão o presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao afirmar, embora pela lógica do absurdo, que José Sarney não pode ser julgado como um homem comum. É verdade. O homem comum, esse que acorda cedo para trabalhar, que parte da perspectiva diária da labuta incerta pelo alimento e pelo sucesso, esse homem, que perde horas no transporte coletivo e nas muitas filas da vida para, no fim do mês, decidir-se pelo descanso ou pelas contas, esse comum é, basicamente, honesto e solidário. Sarney é o homem incomum. No futuro, Lula não será julgado pela História somente por essa declaração infeliz e injusta, mas por ter se submetido tão confortavelmente às chantagens políticas de José Sarney, a ponto de achá-lo intocável e especial. Em nome da governabilidade, esse conceito em forma de gosma fisiológica e imoral da qual se alimenta a escória da política brasileira, Lula, como seus antecessores, achou a justificativa prática para se aliar a gente como os Sarney, os Magalhães e os Jucá.
Pelo apoio de José Sarney, o presidente entregou à própria sorte as mais de seis milhões de almas do Maranhão, às quais, desde que assumiu a Presidência, em janeiro de 2003, só foi visitar esse ano, quando das enchentes de outono, mesmo assim, depois que Jackson Lago foi apeado do poder. Teria feito melhor e engrandecido a própria biografia se tivesse descido em São Luís para visitar o juiz Jorge Moreno. Ex-titular da comarca de Santa Quitéria, no sertão maranhense, Moreno ficou conhecido mundialmente por ter conseguido erradicar daquele município e de regiões próximas o sub-registro civil crônico, uma das máculas das seguidas administrações da família Sarney no estado. Ao conceder certidão de nascimento e carteira de identidade para 100% daquela população, o juiz contaminou de cidadania uma massa de gente tratada, até então, como gado sarneyzista. Por conta disso, Jorge Moreno foi homenageado pelas Nações Unidas e, no Brasil, viu o nome de Santa Quitéria virar nome de categoria do Prêmio Direitos Humanos, concedido anualmente pela Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República a, justamente, aqueles que lutam contra o sub-registro civil no País.
Em seguida, Jorge Moreno denunciou o uso eleitoral das verbas federais do Programa Luz Para Todos pelos aliados de Sarney, sob o comando, então, do ministro das Minas e Energia Silas Rondeau – este um empregado da família colocado como ministro-títere dentro do governo Lula, mas de lá defenestrado sob a acusação, da Polícia Federal, de comandar uma quadrilha especializada em fraudar licitações públicas. Foi o bastante para o magistrado nunca mais poder respirar no Maranhão. Em 2006, o Tribunal de Justiça do Maranhão, infestado de aliados e parentes dos Sarney, afastou Moreno das funções de juiz de Santa Quitéria, sob a acusação de que ele, ao denunciar as falcatruas do clã, estava desenvolvendo uma ação político-partidária. Em abril passado, ele foi aposentado, compulsoriamente, aos 42 anos de idade. Uma dos algozes do juiz, a corregedora (?) do TER maranhense, é a desembargadora Nelma Sarney, casada com Ronaldo Sarney, irmão de José Sarney.
Há poucos dias, vi a cara do senador José Sarney na tribuna do Senado. Trêmulo, pálido e murcho, tentava desmentir o indesmentível. Pego com a boca na botija, o tribuno brilhante, erudito e ponderado, a raposa velha indispensável aos planos de governabilidade do Brasil virou, de um dia para a noite, o mascate dos atos secretos do Senado. Ao terminar de falar, havia se reduzido a uma massa subnutrida de dignidade, famélica, anêmica pela falta da proteína da verdade. Era um personagem bizarro enfiado, a socos de pilão, em um jaquetão coberto de goma.
Na mesma hora, pensei no povo do Maranhão.

quinta-feira, 2 de janeiro de 2014

Sobre a lealdade

NÃO CREIO EM LEALDADE VERDADEIRA POR GRATIDÃO.
LEALDADE VERDADEIRA SÓ SE DÁ POR AFETO.
AINDA QUE ESSE NÃO SEJA O ENSINAMENTO DE MAQUIAVEL, CUJA OBRA TEM FUNDAMENTADO COM FREQUÊNCIA MEUS ESTUDOS.

quarta-feira, 25 de dezembro de 2013

O RELÓGIO DOS CORONÉIS DO NORDESTE



Os relógios Omega, ou Ômega, são sinônimos de confiabilidade e precisão.
No passado, tanto quanto agora, era um objeto de desejo dos mais abastados.
Para quem pesquisa o tem cangaço e se debruça sobre carcomidos processos penais envolvendo estes bandoleiros das caatingas, não é difícil encontrar entre os objetos listados, quando no caso de um roubo, um relógio desta marca, mostrando a preferência que os antigos coronéis tinham por este produto.

Feliz Natal


Coronelismo no judiciário ??

 *Carta Capital
Juízes criticam “canetaço” e “coronelismo” de Barbosa
O presidente do STF é cobrado por entidades após substituir o magistrado responsável por execuções penais do Distrito Federal
O presidente eleito da Associação dos Magistrados do Brasil (AMB), João Ricardo dos Santos Costa, criticou nesta segunda 25 a decisão tomada por Joaquim Barbosa, presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), de afastar o juiz de execuções penais de Brasília. Insatisfeito com a postura do juiz Ademar Vasconcelos durante as condenações do chamado “mensalão”, Barbosa o afastou de suas funções no último sexta 22.
O magistrado havia permitido a transferência de José Genoíno para prisão domiciliar. O deputado encontra-se na casa de uma das suas filhas desde domingo 24. Vasconcelos foi substituído por Bruno André Silva Ribeiro, filho do ex-deputado distrital do PSDB Raimundo Ribeiro.
“Pelo menos na Constituição que eu tenho aqui em casa não diz que o presidente do Supremo pode trocar juiz, em qualquer momento, num canetaço,” disse ele em Porto Alegre, de acordo com reportagem do jornal O Globo.
Segundo Santos Costa, não há previsão constitucional para a substituição do magistrado de suas funções pelo presidente do STF.
Candidato de oposição à atual diretoria da AMB, Santos foi eleito no último domingo 24 como novo presidente da entidade.
“Eu espero que não esteja havendo politização, porque não vamos permitir a quebra de um princípio fundamental, que é uma garantia do cidadão, do juiz natural, independentemente de quem seja o réu. Não é possível escolher o juiz que vai julgar determinada causa, isso não podemos permitir para nenhuma situação,” disse Santos Costa, ainda segundo o jornal.
Coronelismo. No mesmo dia, a associação Juízes para a Democracia divulgou uma nota para criticar a atitude de Barbosa. A entidade cobrou esclarecimentos sobre a substituição do juiz de execuções penais. “A acusação é uma das mais sérias que podem pesar sob um magistrado que ocupa o grau máximo do Poder Judiciário e que acumula a presidência do Conselho Nacional de Justiça”, escreveu Kenarik Boujikian, presidenta da Associação Juízes para a Democracia''
E completou: “O povo não aceita mais o coronelismo no Judiciário”.
Ainda segundo a nota, “a Constituição Federal e documentos internacionais garantem a independência judicial, que não é atributo para os juízes, mas para os cidadãos”. A entidade cobrou respeito às regras claras e transparentes para a designação de juízes, modos de acesso ao cargo, que não podem ser alterados por pressão das partes ou pelo Tribunal.
“O presidente do STF tem a obrigação de prestar imediato esclarecimento à população sobre o ocorrido, negando o fato, espera-se, sob pena de estar sujeito à sanção equivalente ao abuso que tal ação representa. A Associação Juízes para a Democracia aguarda serenamente  a manifestação do presidente do Supremo Tribunal Federal.”
Também em nota, o presidente da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe), Nino Toldo, destacou que não se pode aceitar nenhum tipo de pressão que possa "ferir a autonomia da magistratura".

O Coronelismo no Nordeste Brasileiro

Manoel Batista de Oliveira (*)
Fotografia: Coronéis Chico Heráclio e Chico Romão (in "Coronel, Coronéis" de Vilaça & Cavalcanti de Albuquerque, Ed. Universidade de Brasília - 1978)
O Coronelismo no Nordeste já teve dias melhores. A sua História se confunde com a própria política do Brasil, principalmente na Região Nordeste. A maioria deles foi oficializado e institucionalizado com as patentes da Guarda Nacional, criada em 1831. Os Coronéis mais famosos e conhecidos, por toda a nossa região, foram homens de têmpera, forjados pela canícula e as intempéries do Sertão e afins.
Com o progresso se espalhando pelos interiores - estradas, rádios, caminhões, o retrato no Título de Eleitor, a cédula única - o Coronelismo se abalava porém, não morria. Quando o primeiro Coronel do Sertão pernambucano foi processado por um crime de morte, houve a previsão do desaparecimento do mandonismo local, erroneamente. O último Coronel já foi cantado muitas vezes, sem nunca ter sido o último. Ainda hoje, existem alguns políticos do interior querendo apresentar o espírito dos velhos Coronéis, em vão. São apenas projetos que não chegam aos pés do que foram os grandes Coronéis do passado. Senão, vejamos o que disse José Augusto, sobre o seu conterrâneo José Bernardo à época do seu centenário transcorrido à 20 de agosto de 1937. O trabalho do insigne homem de letras tem o título de: “UM CHEFE SERTANEJO - JOSÉ BERNARDO DE MEDEIROS” e vem publicado na Revista do Instituto Histórico e Geográfico do RN, em seu Volume XXXII a XXXIV - anos 1935-37 às páginas 97 a 128. Começa assim:
“Há na História política do Nordeste uma página de justiça a escrever: é aquela a que têm direito os chamados chefes políticos locais, os Coronéis tão pejorativamente encarados por quantos se ocuparam até aqui do estudo ou da crítica dos nossos costumes político-partidários”.
Certo, houve sempre entre eles gente da pior espécie, exploradores das posições em que eram mantidos por longos anos pelo bafejo e prestígio de apoio oficial, pela força que lhes davam governos desabusados, dirigindo os municípios que tomavam sob sua guarda e chefia pelos mais condenáveis processos, muitas vezes violentos, por outras tantas desonestas. Mas, a influência de tais guias e condutores era efêmera, passageira, fugaz, desaparecendo e sumindo-se tão pronto cessava o suporte governamental que lhes assegurava a permanência e garantia o predomínio nefasto. Tais chefes não se improvisavam e independiam da vontade dos governos, mantendo-se, nas horas de bonança ou de ostracismo, em virtude do prestígio que lhes advinha espontâneo e sólido, de irrepreensível confiança popular. Eram verdadeiras autoridades sociais, postas à frente de todos os movimentos em face de qualidades excepcionais, notadamente qualidades de caráter, e uma contínua preocupação pelo bem público. Os coronéis existiram porque tinham eminente função social a desempenhar, e da sua ação, particularmente na zona do Seridó cujo passado estudei detidamente, na generalidade dos casos, o que a justiça manda proclamar é que foi benéfica, altruística, necessária, imprescindível mesmo.”

Portanto eis aí, em síntese, o que representou o Coronelismo no Brasil político de antanho.
PS: No século passado, muitos coronéis estiveram em cena em Pernambuco: Veremundo Soares controlava tudo em Salgueiro; coronel Quelé, chefe do clã dos Coelho, mandava em Petrolina; Zé Abílio reinava em Bom Conselho. Chico Heráclio era o rei de Limoeiro. Mandou na cidade desde 1920, quando foi eleito prefeito, até a sua morte, em 1974, aos 89 anos de idade. Conhecido com “O Último Coronel de Pernambuco”, foi personagem de várias história de abuso de poder. (fonte: http://www.pe-az.com.br/)

(*) Sócio da SBEC, reside em Nova Floresta - PB.