quarta-feira, 10 de fevereiro de 2016

Ideologia, política e corrupção

Trazido do Site e blog de Simon Schwartzman

Com as revelações que se sucedem sobre os esquemas de corrupção nos governos do PT, chama a atenção o fato de que ainda existem tantos, sobretudo em alguns meios intelectuais, que continuam apoiando o governo com diferentes argumentos, que vão desde que tudo não passa de invenções (o argumento da negação), ou que são todos pequenos pecados de menor importância se comparados com tudo o que foi feito de bom nos últimos anos (o argumento ideológico) até que na verdade todos são assim, e então não tem problema (o argumento cínico).
O argumento da negação é um velho conhecido da psicologia social, com o nome de “dissonância cognitiva”. As pessoas se sentem mal quando têm que conviver com crenças, convicções e realidades contraditórias, e resolvem o problema buscando ignorar ou reinterpretar as ideias ou dados da realidade que mais incomodam. Todos fazemos isto de alguma forma, e o exemplo mais óbvio é o das pessoas religiosas que têm que conciliar a crença na bondade de Deus com a maldade do mundo. Existem várias maneiras de reduzir o incômodo, desde teorias complicadas até o argumento paranoico, que descarta todas as informações negativas como obras ou mentiras de uma conspiração (do diabo, das elites, do Banco Mundial, da imprensa burguesa, dos judeus, dos comunistas, ou de quem seja). No extremo, a negação pode levar a situações patológicas como a recusa em olhar para os dados do mundo real ou o recurso à violência contra os supostos inimigos.
O argumento ideológico pode ser entendido como uma das maneiras de lidar com a dissonância cognitiva, e um exemplo clássico é o dos comunistas históricos diante das revelações sobre os crimes do stalinismo em diversos momentos – os julgamentos de Moscou dos anos 30, o pacto com Hitler nos anos 40, o antissemitismo nos 50, e o Gulag em todo este tempo, culminando com o fim do “socialismo real”. Eram fatos inadmissíveis para tantos que passaram a vida criticando e lutando contra a exploração  e os males do capitalismo e vendo na União Soviética o exemplo de uma sociedade mais justa e igualitária. A primeira reação era de negação – é tudo propaganda do inimigo, parte da luta de classes, ou da guerra fria. A segunda era colocar as informações incômodas em um canto isolado –  é verdade, mas foram alguns erros, “mal feitos” e “desvios”, problemas do “culto à personalidade”, não foi tanto assim, foi a culpa de algumas ovelhas negras, mas nada que coloque em questão as conquistas e as convicções ideológicas de tantos anos.  Outros reagiram de forma extrema, pulando para o outro lado – o capitalismo na verdade só fez o bem, o colonialismo foi a melhor coisa que poderia ter acontecido na África e Ásia, e o mal absoluto é o comunismo.
O argumento cínico é que ninguém é melhor do que ninguém, sempre foi assim, no Brasil e no resto do mundo. Todos roubam, mentem e se aproveitam das situações de poder, e o máximo que se pode fazer é acreditar que “nossos” ladrões também fazem outras coisas que consideramos boas – como reduzir a pobreza, ou desenvolver a economia, ou dar poder a determinados setores dos quais gostamos, ou participamos.
O argumento cínico é sem dúvida melhor do que os outros dois, porque não deixa de olhar a realidade, e substitui a ideologia pelo pragmatismo. Ele se torna ainda mais forte entre nós pelo fato de que o sistema político-eleitoral brasileiro sempre foi financiado seja por interesses privados, seja com recursos públicos manipulados pelos que estão no poder, e os limites entre o apoio desinteressado e legítimo e o apoio muito interessado são muito difíceis de ver. Quem for puro que atire a primeira pedra.
Mas é, também, um argumento falacioso, porque generaliza e é superficial. Embora exista corrupção em toda parte, e que ninguém seja santo, nem todos os países e nem todas as pessoas são igualmente corruptas, e é certamente melhor viver em uma sociedade com menos do que com mais corrupção, assim como é melhor viver em uma sociedade com menos do que com mais crime e violência. Mais ainda, a história mostra que os regimes aonde predomina o império da lei, e não a vontade dos que estão no governo, são em geral muito mais bem-sucedidos economicamente, e mais igualitários, do que os que toleram a corrupção em nome de ideologias, de supostas causas sociais, ou da tese cínica de que ninguém é culpado, porque “todo mundo faz”. Os crimes de uns, se houver, não podem jamais justificar os crimes dos outros.
Como explicar as diferenças, e como reduzir a corrupção?  Não existem respostas simples, mas muitas indicações de caminhos a seguir. Embora existam exemplos de democracias corruptas e ditaduras relativamente honestas, o potencial de corrupção é muito maior nos regimes políticos fechados e intervencionistas, em que a distribuição de recursos e privilégios se dá de forma autocrática, quando o governo decide favorecer determinados grupos para receber financiamentos, subsídios e contratos para a realização de obras públicas por critérios pouco explícitos. Uma imprensa aberta a vigilante limita a possibilidade de conluios deste tipo, e favorece a adoção de práticas mais abertas e competitivas. A polêmica ideológica entre “estado mínimo” vs. “estado forte” não capta a verdadeira natureza dos problemas de corrupção associados ao setor público. É possível ter um estado enxuto e eficiente, capaz de implementar as políticas que interessam à sociedade, assim como estados inchados e infiltrados por todo tipo de interesses privados e conluios corruptos. A organização do sistema partidário e eleitoral pode fazer muita diferença: para reduzir a corrupção, é necessário aproximar ao máximo os mandatos políticos às preferências dos eleitores, e reduzir ao mínimo a possibilidade de captura dos líderes políticos por grupos de interesse ocultos. Mecanismos para isto incluem a exigência de fidelidade partidária, a transparência no financiamento de campanhas, proporcionalidade correta na representatividade no legislativo, e outras medidas no mesmo sentido.
A atual crise econômica e política brasileira, se nos servir de algo, deve nos ajudar a entender que o país precisa de reformas econômicas, políticas e institucionais muito mais profundas do que a simples substituição de um partido por outro, ou de uma ideologia por outra no governo.  O que precisamos é identificar e apoiar, entre as diferentes correntes e lideranças políticas, aquelas que sejam  menos dependentes dos recursos da corrupção e se mostrem mais capazes de entender os problemas e liderar as transformações, e aquelas sobre as quais não há como ter mais esperança.

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2016

Judiciário brasileiro: caro e ineficiente

O Judiciário brasileiro, o mais caro do mundo, consome 1,2% do PIB nacional, mas seus integrantes querem mais privilégios e mordomias
por André Barrocal
O governo vetou o reajuste. Os servidores pressionam



Caixa-preta é uma definição recorrentemente associada à Justiça brasileira, por conta do corporativismo que encobre os desmandos. Caixa-forte seria outro termo apropriado. Em 2014, o sistema consumiu 68,4 bilhões de reais em verbas públicas, o equivalente a 1,2% das riquezas produzidas pelo País no período. A conta inclui as repartições federais, estaduais, trabalhistas, eleitorais e militares. E não leva em conta o Supremo Tribunal Federal e seus 577 milhões de reais de orçamento. Trata-se do Judiciário mais caro do mundo, ou ao menos do Ocidente. E não se farta. Quer mais dinheiro, não para acabar com a ineficiência e a morosidade dos tribunais, mas para engordar contracheques desde sempre generosos.
O recorde de gastos está detalhado na pesquisa “Abrindo a caixa-preta: três décadas de reformas do sistema judicial do Brasil”, uma parceria entre Luciano da Ros, professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, e Matthew Taylor, da Universidade Americana, de Washington. O trabalho completo só ficará pronto em 2016, mas Ros publicou uma prévia. Em “O custo da Justiça no Brasil: uma análise exploratória”, há uma comparação das despesas entre países. O gasto é de 0,32% do PIB na Alemanha, de 0,28% em Portugal, de 0,19% na Itália, de 0,14% na Inglaterra e de 0,12% na Espanha. Nos Estados Unidos, 0,14%. Na América do Sul, a Venezuela consome 0,34%, o Chile, 0,22%, a Colômbia, 0,21%, e a Argentina, 0,13%.
A folha de pessoal é a principal causa do altíssimo custo. No Judiciário, há gente e mordomias demais. O pagamento de 434.932 funcionários, entre juízes e servidores, mordeu 89,5% das despesas totais em 2014. O salário médio alcança 10,8 mil mensais. Apesar disso, a fatia de 1,2% no PIB é a mais baixa em seis anos, motivo, segundo Ros, de estar em curso uma ofensiva por mais recursos.
Servidores de tribunais cercam o Congresso há semanas em uma pressão pela derrubada do veto presidencial à lei que reajustava o holerite da turma entre 53% e 78%. Se a lei vigorar, o Judiciário ficará 5 bilhões de reais mais caro a partir de 2016. O custo dobrará de 2018 em diante. No mesmo Legislativo, avança um projeto do STF, datado de agosto, que reajusta em 16% o salário dos 11 ministros da Corte. As excelências passariam a receber 39.293 reais mensais. Detalhe: o salário dos ministros, hoje em 33.763 reais, foi corrigido há menos de um ano.
Aumentar os vencimentos do STF tem potencial para provocar um efeito dominó. Desde 2003, o salário dos ministros da corte é referência para a remuneração máxima no setor público. Na prática, a teoria é outra. A começar pelo próprio guardião das leis. Inúmeros são os subterfúgios usados para proporcionar à magistratura vencimentos acima do teto. Dados disponíveis na internet mostram gente ilustre a estourar o limite. O juiz Sergio Moro, da Operação Lava Jato, recebeu 82.370 reais em setembro. O presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros, José Ricardo dos Santos Costa, 41.262 reais. O da associação dos juízes federais, Antonio César Boechenek, 34.787 reais.
O pagamento acima do teto resulta dos chamados “penduricalhos”. Auxílios, indenizações, gratificações e uma penca de adicionais não definidas como “salário” e adotados do Oiapoque ao Chuí. No Rio Grande do Sul, paga-se um “auxílio-táxi” de 123,80 reais. Goiás instituiu em 2013 um “auxílio-livro” de 3,2 mil anuais. No Rio de Janeiro, há desde setembro um “auxílio-educação” de 953 reais por filho de juiz. Em 2011, o Conselho Nacional de Justiça, cuja missão é vigiar o Judiciário, criou um “auxílio- alimentação” e uma licença remunerada para cursos no exterior, entre outros.
Tudo serve de pretexto. No início do mês, o STF aprovou uma “diária” de 5,4 mil mensais a ser paga a 17 juízes que trabalham como auxiliares dos ministros. Justificativa: os magistrados precisam deixar seus lares para trabalhar. Durante a aprovação, o ministro Luiz Fux, com uma verve sindicalista, disse que “a magistratura é uma atividade espinhosa que merece valorização em relação a todas as outras categorias”. 
O percentual de processos sem decisão chega a 71%.
Essa autoimagem do juiz nativo explica muito da proliferação dos penduricalhos. Os togados parecem se sentir cidadãos especiais. Em outubro de 2014, o presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo, José Roberto Nalini, disse em entrevista à TV Cultura que só “aparentemente” o magistrado brasileiro ganha bem. “Ele tem de comprar terno, mas não dá para ir toda hora a Miami comprar terno, a cada dia da semana ele tem de usar um terno diferente, uma camisa razoável, um sapato decente, ele tem de ter um carro.” Um contraste com o entendimento em outros países. Entrevistado para o livro “Um país sem excelências e mordomias”, da jornalista brasileira Claudia Wallin, moradora na Suécia há 12 anos, Goran Lambertz, um dos 16 ministros da Corte Suprema sueca, disse que “luxo pago com o dinheiro do contribuinte é imoral e antiético”. Ao comentar os privilégios dos colegas brasileiros foi impiedoso: “É absolutamente inacreditável que juízes tenham o descaramento e a audácia de ser tão egocêntricos e egoístas a ponto de buscar benefícios como auxílio-alimentação e auxílio-escola para seus filhos. Nunca ouvi falar de nenhum outro país onde juízes tenham feito uso de sua posição a este nível para beneficiar a si próprios e enriquecer”.
A mordomia da moda é um auxílio-moradia de 4.377,33 reais mensais. Foi determinada pelo STF em setembro do ano passado, graças a uma liminar de Fux. Em abril de 2013, a associação dos juízes federais, a Ajufe, havia ingressado no Supremo com uma ação a favor do auxílio. Invocava isonomia. Se a benesse vigora para promotores e procuradores de Justiça, conforme uma lei de 1993, por que não para eles? Fux mandou pagar não só aos representados da Ajufe, mas a todos os magistrados, 16.927 em todo o País. Custo da liminar para o Erário: 900 milhões de reais por ano. Procurado via assessoria de imprensa do STF, Fux não se manifestou sobre o futuro da ação.
A liminar do ministro detonou um rastilho de pólvora. Dias depois, o Conselho Nacional do Ministério Público resolveu liberar o pagamento geral e irrestrito do auxílio-moradia a todos os seus integrantes. Um casal de procuradores recorreu ao Superior Tribunal de Justiça para receber um auxílio cada, apesar de morarem juntos. O pedido foi atendido provisoriamente pelo relator, Napoleão Maia, que entre outras justificativas invocou trechos da liminar de Fux. Um manifesto liderado pelo ex-procurador-geral da República Claudio Fonteles condena a “visão profissional estritamente mercantilista” por trás do auxílio-moradia e classifica este como tentativa de “ludibriar o teto constitucional”. “Auxílios, gratificações e modalidades outras de penduricalhos de tal jaez ofendem tratamento remuneratório democrático”, afirma o texto.
Outro penduricalho na crista da onda é uma gratificação para juízes federais, trabalhistas e militares por acúmulo de função. O mimo é devido a quem assumir casos de um colega ou atuar em outra vara ou corte. Enriquecerá em até um terço o salário das excelências. A categoria arrancou a benesse na marra. Em setembro do ano passado, houve uma espécie de greve contra o acúmulo de processos. Semanas depois, o Congresso aprovou a gratificação, sancionada em janeiro por Dilma Rousseff.
A gratificação foi regulamentada em abril por uma resolução do Conselho da Justiça Federal, o CJF. E há quem tenha visto esperteza em excesso na resolução. Para o procurador da República Luciano Rolim, o CJF extrapolou os termos da lei e abriu a porteira para um juiz federal
obter ganhos iguais àqueles de um ministro do STF e mais 15 dias de férias, além da boa vida de 60 dias garantidos. Em um país com 99 milhões de processos encalhados, não seria o caso de reduzir as férias a 30 dias, regra para os demais trabalhadores, em vez de esticá-las?
Entre os procuradores da Advocacia-Geral da União, também há críticas às artimanhas do Judiciário contra o teto salarial. Há algumas semanas, o procurador Carlos André Studart Pereira, assessor da presidência da Associação Nacional dos Procuradores Federais, pesquisou os contracheques de vários juízes e concluiu: ultrapassar o teto é regra. “O subsídio dos magistrados é justo e merecido. Os arranjos institucionais, não”, afirma Pereira, para quem a diária aprovada pelo STF é “bizarra” e o auxílio-moradia, “patentemente inconstitucional”.
Discretamente, o governo se insurge contra os penduricalhos. Com as contas públicas combalidas, o Palácio do Planalto mandou em setembro ao Congresso uma lei para definir quais pagamentos precisam ser computados no cálculo do teto e quais podem ficar de fora. Polêmica à vista. Desde dezembro de 2014, o STF estuda uma nova Lei Orgânica da Magistratura Nacional, em substituição à
atual, de 1979. A minuta em discussão institucionalizaria vários penduricalhos.
Às vezes, estes não são apenas “patentemente inconstitucionais”. Beiram a quebra de decoro. Em 2009, o CNJ recebeu uma denúncia de que o Tribunal de Justiça de São Paulo pagava “por fora” juí-
zes que auxiliavam a elaboração de votos dos desembargadores. “Por fora”, no caso, permitia não recolher impostos à Receita e à Previdência, além de mascarar o estouro do teto. Apurar a denúncia não foi fácil. O presidente do TJ à época, Roberto Vallim Bellochi, mostrou-se pouco interessado em colaborar. Foi ao STF com um mandado de segurança, para não ter de prestar informações. Mesmo assim, o CNJ concluiu que houve irregularidades e determinou a suspensão dos pagamentos e a devolução do dinheiro. A corte paulista recorreu ao Supremo, comandado à época por Cezar Peluso, ministro que tinha um filho beneficiado pelo “auxílio-voto”. O relator da ação no STF, Dias Tof-
foli, concedeu uma liminar favorável ao TJ ainda em 2010. O processo está parado em seu gabinete desde 2013. Procurado via assessoria de imprensa do STF, Toffoli não se manifestou sobre o futuro da ação.
O caso do “auxílio-voto” é ilustrativo do que o advogado Marcelo Neves, ex-conselheiro do CNJ, relator do caso no conselho e hoje professor da Universidade de Brasília, chama de “corrupção sistêmica” no Judiciário. Para Neves, o CNJ abandonou o papel de “fiscal do fiscal”. Tornou-se “corporativista” e “capturado por um pacto mafioso existente entre os poderosos do Judiciário e do Legislativo”. Ignoraria faltas disciplinares dos magistrados graúdos, como aquelas do TJ paulista, para se ocupar de bagrinhos da primeira instância em lugares distantes. “O CNJ é hoje um órgão sem significado prático, principalmente no controle da corrupção, altíssima.”
Nancy Andrighi, Corregedora Nacional de Justiça, discorda. Segundo ela, não passam de 50 os processos relevantes que investigam desvios de conduta da magistratura, uma proporção pequena num universo de 16 mil juízes. “Posso concluir, assim, que a quase totalidade da magistratura brasileira é composta de juízes honestos e idealistas”, afirmou por escrito. Em dez anos de existência, o CNJ puniu 72 magistrados. A aposentadoria compulsória, pena mais dura, atingiu 46. Na verdade, pode ser considerada um prêmio. Pendura-se a toga, mas não se deixa de receber os vencimentos até o fim da vida, graças a um dispositivo constitucional.
Se os tribunais funcionassem, o pesado fardo financeiro até poderia não ser um problema. Não é o caso. “Nosso Judiciário é caro e não se reverte em serviços prestados. Ele não se vê como prestador de serviço público”, diz Luciana Gross Cunha, coordenadora do Centro de Pesquisa Jurídica Aplicada da Fundação Getulio Vargas de São Paulo. Essa postura, afirma, tem várias explicações. Uma cultura nacional que sempre enxergou a Justiça como apartada do Estado. Uma formação acadêmica exageradamente jurídica por parte dos magistrados. Juízes que parecem achar pouco digno preocupar-se com a administração.
A melhora da gestão seria a mudança mais urgente em um Judiciário à beira do colapso, acredita a acadêmica. Só no ano passado, 28 milhões de novas causas chegaram aos tribunais. A taxa de congestionamento, índice que indica quantos casos nunca tiveram qualquer decisão, chega a 71%. “O Brasil precisa de uma carreira de gestor jurídico, como os Estados Unidos fizeram há mais de cem anos”, diz Luciana Cunha. Infelizmente, as prioridades são outras. 
*Reportagem publicada originalmente na edição 873 de CartaCapital, com o título "Caro e ineficiente"

Baltazar Gracian



A maioria não estima aquilo que compreende e venera o que não compreende. Para ter valor as coisas precisam ser difíceis: se não o entenderem o terão em mais alta conta. Para ganhar respeito, mostre-se mais sábio e mais prudente do que seria necessário para o bom conceito do interlocutor. Mas faça-o com moderação. Os entendidos valorizam o siso, mas com os demais é bem certa imponência: mantenha-os decifrando sua mensagem, e não lhes de oportunidade de criticá-lo. Muitos elogiam sem que consigam dizer o que seja. Veneram tudo o que é oculto ou misterioso, e elogiam porque ouvem elogiar. (Baltazar Gracian)

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2016

Desigualdade Social no Brasil

Apesar de ser um país rico em recursos naturais e com um PIB (Produto Interno Bruto) figurando sempre entre os 10 maiores do mundo, o Brasil é um país extremamente injusto no que diz respeito à distribuição de seus recursos entre a população. Um país rico; porém, com muitas pessoas pobres, devido ao fenômeno da desigualdade social, que é elevado.
Pesquisadores da área social e econômica atribuem essa elevada desigualdade social no Brasil a um contexto histórico, que culminou numa crescente evolução do quadro no país.
Mesmo sendo uma nação de dimensões continentais e riquíssima em recursos naturais, o Brasil desponta uma triste contradição, de estar sempre entre os dez países do mundo com o PIB mais alto e, por outro lado, estar sempre entre os 10 países com maiores índices de disparidade social.

Dados da Desigualdade

Em um relatório da ONU (Organização das Nações Unidas), que foi divulgado em julho de 2010, o Brasil aparece com o terceiro pior índice de desigualdade no mundo e, em se tratando da diferença e distanciamento entre ricos e pobres, fica atrás no ranking apenas de países muito menores e menos ricos, como Haiti, Madagascar, Camarões, Tailândia e África do Sul.
A ONU mostra ainda, nesse estudo, como principais causas de tanta desproporcionalidade social, a falta de acesso à educação de qualidade, uma política fiscal injusta, baixos salários e dificuldade da população em desfrutar de serviços básicos oferecidos pelo Estado, como saúde, transporte público e saneamento básico.
Teóricos brasileiros, pessoas e instituições que estão à frente de iniciativas que visam diminuir, e quem sabe, acabar com o problema da desigualdade no Brasil, apontam uma difícil fórmula que deve aliar democracia com eficiência econômica e justiça social como uma solução viável para o problema.
Mesmo com a Constituição Federal e diversos códigos e estatutos, assegurando o acesso à educação, moradia, saúde, segurança pública, além de autonomias econômicas e ideológicas, a realidade que se vê ainda é distante do que se reza nos direitos do cidadão brasileiro no tocante à erradicação da desigualdade social neste país, em constante crescimento econômico e político.

domingo, 31 de janeiro de 2016

O exemplo da Dinamarca!

A Dinamarca colhe hoje os frutos de mais de 350 anos de empenho contra a corrupção no setor público e privado e, mais uma vez, figura no topo do ranking de 168 países da ONG Transparência Internacional, o principal indicador global de corrupção.
Desde que o índice foi criado, em 1995, o país está nas primeiras posições – em que estão as nações vistas como menos corruptas. Nos últimos cinco anos, só não esteve no primeiro lugar em 2011, que ficou com a Nova Zelândia. Esse é o segundo ano consecutivo em que está sozinha no topo.
O Brasil foi um dos países que registrou a maior queda no ranking neste ano: caiu sete posições, para o 76º lugar. A ONG liga a queda ao escândalo da Petrobras.
O Índice de Percepção de Corrupção é baseado em entrevistas com especialistas – em geral, membros de instituições internacionais como bancos e fóruns globais – que avaliam a corrupção no setor público de cada país.
Na raiz do bom desempenho dinamarquês estão iniciativas de meados do século 17, quando a Dinamarca perdia parte de seu reinado para a Suécia e via que era preciso ter uma administração mais eficiente para coletar impostos e financiar batalhas em curso.
Numa época em que a nobreza gozava de vários privilégios, o rei Frederik 3º proibiu que se recebessem ou oferecessem propinas e presentes, sob pena até de morte. E instituiu regras para contratar servidores públicos com base em mérito, não no título. A partir de então, novas medidas foram sendo instituídas período a período.
Peter Varga, coordenador regional da Transparência Internacional para Europa e Ásia Central, alerta, entretanto, que "países que estão no topo do ranking naturalmente não estão livres de corrupção", pondera
Casos envolvendo empresas e políticos vez ou outra ganham destaque na Dinamarca. Há dois anos, a empresa dinamarquesa Maersk foi apontada na Operação Lava Jato como possível autora de pagamento de propinas a ex-executivos da Petrobras. E a falta de controle nos financiamentos de campanha é bastante criticada.
"Entretanto, neles isto é uma exceção, não a regra", complementa o representante da Transparência Internacional.
Embora não esteja imune ao problema, a Dinamarca traz alguns bons exemplos que podem servir de inspiração para se combater a corrupção em países como o Brasil. Confira:

1) Menos regalias para políticos

O político Peder Udengaard é membro reeleito do conselho municipal (o equivalente a um vereador) de Aarhus, segunda maior cidade da Dinamarca, com cerca de 300 mil habitantes. Vive numa zona de classe média no centro e não possui carro, por isso vai a pé ao trabalho. Recebe um salário de 10 mil coroas dinamarquesas (R$ 6 mil) para horário parcial, complementados com atividades na direção de uma orquestra.
O único benefício que recebe é um cartão para táxi, que só pode ser usado quando participa de eventos oficiais. A entrevista concedida à BBC Brasil na prefeitura, por exemplo, não estava nesta lista. Duas vezes ao ano, a prefeitura promove eventos fora da cidade e, aí sim, pode-se gastar com deslocamento e alimentação. Presentes precisam ser tornados públicos e repassados a entidades civis.
"Essas regras independem do cargo, pode ser do mais baixo ao mais alto", explica Udengaard. "Se eu tivesse filhos, iriam para a escola pública; encontro meu eleitorado no supermercado, na rua, no banco. Não tenho mais benefícios do que qualquer cidadão. Se quisesse enriquecer ou ter privilégios, não seria político", completa.
Nos últimos anos, o primeiro-ministro Lars Løkke Rasmussen foi acusado em algumas ocasiões de ter usado dinheiro público para pagar contas em restaurantes, táxis, aviões, hotéis e até roupas em cargos como prefeito, ministro e presidente da organização Global Green Growth Institute (GGGI), que recebe recursos do governo.
Confirmaram-se roupas pagas pelo seu partido, Venstre, e passagens pela GGGI, episódios duramente criticados.

2) Pouco espaço para indicar cargos

Tentar beneficiar-se do setor público não é tarefa fácil na Dinamarca. Um dos motivos é que, quando o político é eleito, a equipe que trabalhará com ele é a mesma da gestão anterior. Além disso, o profissional que não reportar um ato ilícito é demitido.
"Receber incentivos econômicos seria difícil, porque os funcionários não estão interessados em acobertá-los", afirma Peder Udengaard, garantindo nunca ter sido informado de algum caso ilícito na prefeitura de Aarhus.
"Regras claras sobre conflitos de interesse, códigos de ética e declaração patrimonial são muito importantes", comenta Peter Varga, destacando que elas geralmente são consideradas eficientes em países no topo dos rankings de corrupção, mas ressaltando que mesmo na Dinamarca a tentação de se aceitar propinas ou exercer influência indevida é geralmente mais forte quanto mais perto se está do centro tomador de decisões políticas.

3) Transparência ampla

A Dinamarca também é considerada a nação mais transparente no ranking "2016 Best Countries" ("Melhores países 2016"), da Universidade da Pensilvânia, dos Estados Unidos.
Os sites dos governos, de todas as instâncias, costumam ser bem munidos de dados sobre gastos de políticos, salários, investimentos por áreas etc. E qualquer cidadão pode requerer informações que não estejam lá.
No Brasil, especialistas concordam que a transparência vem avançando. Fernanda Odilla de Figueiredo, pesquisadora sobre corrupção do Brazil Institute no King's College, de Londres, elogia a Lei de Acesso à Informação e os portais de transparência, mas cobra acesso irrestrito:
"Em 2013, informações sobre viagens internacionais do presidente e do vice-presidente da República foram reclassificadas e só poderão ser acessadas depois que eles deixarem o poder, e no ano passado o governo de São Paulo decretou sigilo de determinados dados", critica.

4) Polícia confiável e preparada

Raramente, casos de corrupção envolvem a polícia dinamarquesa. A confiança na instituição é considerada muito alta, segundo o relatório 2015-2016 de competitividade global do Fórum Econômico Mundial.
"A polícia goza de alto nível de confiança. Ser um policial geralmente é considerado uma posição relativamente de status. Isto faz jovens considerarem a carreira", acrescenta o especialista em segurança, Adam Diderichsen, professor da Universidade de Aalborg.
Diderichsen também explica que boas condições de trabalho agregam à qualidade do serviço. Após terminar o ensino médio, policiais recebem pelo menos dois anos de treinamento.
A cultura policial dinamarquesa dá ênfase a meios não coercitivos: eles usam armas, mas estão menos propensos a empregá-las do que em países fora da Escandinávia. Em geral, segundo o especialista, recebem um "bom salário de classe média, especialmente se for levado em conta a generosa aposentadoria".

5) Baixa impunidade

O código criminal da Dinamarca proíbe propina ativa ou passiva, abuso de poder público, peculato, fraude, lavagem de dinheiro e suborno.
Em 2013, o Parlamento adotou emendas para fortalecer a prevenção, investigação e indiciamento de crimes econômicos. As penas hoje vão de multa a prisão de seis anos. Elas não são consideradas tão rígidas. Mesmo assim, são aplicadas e cumpridas.
Para a Transparência Internacional, o motivo são as instituições fortes e independentes de Justiça. Já segundo o especialista em corrupção Gert Tinggaard Svendsen, professor da Universidade de Aarhus, há mais do que isso.
"As leis não são tão duras, o que é duro é o mecanismo de punição. A tolerância à ilegalidade na Dinamarca é baixíssima não só com relação às instituições, mas até com indivíduos do convívio que infringem normas das mais simples", diz.

6) Confiança social

Na Dinamarca, é comum alugar um livro da biblioteca sem o intermédio de um funcionário. Em alguns estabelecimentos, pode-se pegar o item, por exemplo uma fruta, e deixar o dinheiro.
Ou, mais surpreendente, famílias não hesitam em deixar seus filhos num carrinho de bebê do lado de fora de um restaurante. Esses pontos, segundo Gert Tinggaard Svendsen, também autor do livro Trust, têm algo em comum: a confiança.
"A confiança social traz regras informais ao jogo. São regras não escritas, entre pessoas. A confiança é a palavra-chave da autorregulação", explica Tinggaard, que pesquisou em 86 países se as pessoas confiavam umas das outras. Na Dinamarca, mais de 70% disseram que sim. No Brasil, apenas 10%.
Segundo ele, os dinamarqueses historicamente passaram a confiar nos indivíduos e, além disso, em suas instituições. Para a ONG, a confiança social ajuda a prevenir a corrupção, pois torna o desvio à norma um tabu. Por outro lado, quanto maior a corrupção, menor a confiança da população.

7) Ouvidoria forte

A Ouvidoria Parlamentar é um órgão que emprega cem funcionários e recebe por ano cinco mil reclamações contra o governo. Destas, pelo menos 50% resultam em críticas ou recomendações. Mais do que apenas notificações, a instituição tem poder de promover mudanças das mais diversas.
"Se outros países quisessem aprender com a Dinamarca, eles deveriam, por exemplo, ter um escritório parlamentar de ouvidoria com uma auditoria independente para ajudar a controlar o Legislativo e Executivo", pontua Peter Varga, da Transparência Internacional.

8) Empenho constante contra a corrupção

O combate à corrupção na Dinamarca começou no século 17, mas sofreu um aumento no século 19, após uma crise econômica. Para controlar o problema, foi instaurada a tolerância zero na administração real. Segundo a professora da Universidade de Aarhus, Mette Frisk Jensen, pesquisadora do tema, os níveis de corrupção são baixos desde então.
Para Fernanda Odilla de Figueiredo, a experiência da Dinamarca nos ensina que o combate à corrupção não é resolvido de uma só vez. Trata-se de um processo longo, em que é preciso estar sempre vigilante.
"O maior mérito da Dinamarca não é ser o primeiro lugar do ranking, mas se manter no topo por tanto tempo. Isso significa que o Brasil precisa não apenas melhorar o combate à corrupção, como encontrar uma forma de fazer isso de forma estável e consistente."

quarta-feira, 13 de janeiro de 2016

Teoria das Elites: O poder político monopolizado pelos governantes

Renato Cancian - Pedagogia & Comunicação -

A teoria das elites surgiu no final do século 19 tendo como fundador o filósofo e pensador político italiano, Gaetano Mosca (1858-1941). Em seu livro "Elementi di Scienza Política" (1896), Mosca estabeleceu os pressupostos do elitismo ao salientar que em toda sociedade, seja ela arcaica, antiga ou moderna, existe sempre uma minoria que é detentora do poder em detrimento de uma maioria que dele está privado.

Os poderes econômicos, ideológicos e políticos são igualmente importantes, mas em seus escritos Mosca deu ênfase à força política das elites. O restrito grupo de pessoas que a detém também pode ser denominado de classe dirigente.

De acordo com esta teoria as sociedades estão divididas entre dois grupos: os governantes e os governados. Os governantes são menos numerosos, monopolizam o poder e impõem sua vontade valendo-se de métodos legítimos ou arbitrários e violentos ao restante da sociedade.
Governantes e governandos
O conceito de divisão do poder entre governantes e governados, porém, não é algo novo e consta nos escritos de muitos filósofos e pensadores antigos e modernos (Maquiavel, Montesquieu, Karl Marx, entre outros).

Entretanto, a originalidade da teoria das elites formulada por Mosca, advém da preocupação em explicar que a classe dirigente (ou seja, os governantes) constitui uma minoria detentora do poder pelo fato de serem mais organizados.

Desse modo, seja por afinidade de interesses ou por outros motivos, os membros da classe dirigente constituem um grupo homogêneo e solidário entre si, em contraposição aos membros mais numerosos da sociedade, que se encontram divididos, desarticulados e consequentemente, desorganizados.

Importante enfatizar também que, segundo o estudo realizado por Mosca, a dominação política exercida por um grupo minoritário dentro da sociedade pode ser presenciada em qualquer sistema de governo: ditadura ou democracia.
Desigualdades sociais
Depois que Gaetano Mosca formulou a teoria das elites, outros pensadores sociais empregaram o termo "elite" de maneira diversa, dando origem a novos conceitos e teorias. No campo das ciências sociais, por exemplo, o estudo das elites políticas beneficiou o desenvolvimento da ciência política.

Neste aspecto, devemos considerar os estudos do economista e sociólogo, Vilfredo Pareto (1848-1923), que publicou dois estudos importantes: "Manual de Economia Política" (1906) e "Tratado de Sociologia Geral" (1916). No "Tratado de Sociologia Geral", Pareto se preocupou com o estudo da interação social entre as diversas classes de elites, cujas mais importantes, segundo ele, são: as elites políticas e as elites econômicas.

O mais importante destaque do estudo é o processo de decadência das elites, observado por Pareto,ou seja, historicamente as elites lutam entre si e se sucedem umas às outras no exercício da dominação política.

Pareto também chama a atenção para o fato de que, em qualquer sociedade, os homens são desiguais. As desigualdades entre os indivíduos contribuem diretamente para o surgimento das elites.

Pareto tinha convicção na superioridade das elites econômicas e políticas porque acreditava que as desigualdades sociais faziam parte da "ordem natural" das coisas. Devido à sua intransigente defesa da dominação das elites, e também por ser um crítico contumaz de qualquer forma de regime socialista, Pareto é apontado como o ideólogo precursor do fascismo. Não obstante, ele nunca aderiu formalmente ao regime fascista italiano.
Oligarquias partidárias
Os estudos de Mosca e Pareto serviram de base para formulação de novas teorias das elites. Dentro deste campo de pesquisa, cabe destacar o estudo do sociólogo alemão Robert Michels (1876-1936), "Partidos Políticos: um Estudo Sociológico das Tendências Oligárquicas da Democracia Contemporânea" (1912). Neste estudo, Michels analisou a dinâmica inerente à política democrática a partir da observação dos partidos políticos de massa.

Com base em evidências empíricas demonstrou que mesmo dentro das organizações partidárias que funcionam num sistema político democrático, há fortes tendências à elitização, ou seja, concentração de poder num grupo restrito de pessoas. Michels chamou essa tendência à elitização de "lei de ferro das oligarquias".

A maior contribuição da teoria das elites formulada por Michels se refere ao fato, inusitado e paradoxal, de que a elitização ocorre até mesmo no interior das organizações comprometidas com os princípios de igualdade e democracia, ou seja, os partidos políticos de massa.

O conceito de elitização e "lei de ferro das oligarquias" também pode ser aplicado aos sindicatos, corporações e grandes organizações sociais. Uma organização, partido político ou movimento social podem surgir em decorrência de verdadeiros objetivos igualitários e democráticos, porém, com o passar do tempo, a tendência à elitização ou oligarquização se manifesta.
Outras definições
Fora do campo dos estudos acadêmicos o termo "elite" é usado para se referir aos grupos hierarquicamente superiores dentro de uma organização burocrática; o exemplo mais comum é a referência às certas unidades militares dentro das Forças Armadas.

Também é comum denominar de elite os grupos que estão situados em posições sociais superiores como acontece com as classes sociais, detentoras de poder econômico. Outras referências genéricas são aplicadas às organizações burocráticas e empresariais.
Renato Cancian, Especial para a Página 3 Pedagogia & Comunicação é cientista social, mestre em sociologia-política e doutorando em ciências sociais. É autor do livro ?Comissão Justiça e Paz de São Paulo: gênese e atuação política - 1972-1985?.