POR CARLOS GUILHERME MOTA*
“A rebeldia atual nas ruas do Brasil não se prende, é claro, a tarifas
de ônibus. Ela é uma grave e profunda denúncia da situação a que
chegaram todos os serviços públicos – hospitais, transportes, portos,
aeroportos, presídios. Agride o País o fato de não termos escolas nem
hospitais “padrão Fifa”. Só estádios.
O
que esses acontecimentos revelam é que há mais vozes e atores sociais
que os tradicionalmente visualizados. Que muito além dos jardins do
Palácio do Planalto há gente. E muita, muita gente sofrida, ralada e até
irada, vítima de aberrações que ocorrem há mais de 50 anos, por causa
da opção automobilística que data dos tempos de Getúlio, JK e militares –
e que aumenta até os dias de hoje, dias nefastos em que o automóvel é
rei.
Até
a tal “classe C” que pôde viajar para o exterior volta da viagem para
as 11 horas de espera para atendimento de urgência num hospital, meses
para uma cirurgia, tristes horas todo dia dentro de um ônibus.
Esse
divórcio entre governados e governantes não é novo. Estava presente no
fim da ditadura militar, no fim da ditadura de Vargas em 1945. Só não
tínhamos então esses elementos novos, a cultura digital, as redes
sociais, que independem de lideranças tradicionais para ter voz. O mundo
político não estava preparado para essa súbita chegada da globalização a
seus pagos.
A
questão é que atravessamos uma crise de regime. Cabe lembrar que a
Revolução Francesa, em 1789, eclodiu por causa do custo do pão – mas
outros fatores concorreram para se detonar, então, o processo
revolucionário: corrupção, injustiça, clientelismo, péssimas condições
de vida, alta carga de impostos. Nossos governantes de hoje, de Gilberto
Kassab a Geraldo Alckmin, de Eduardo Paes a Sergio Cabral, passando
pelos Rui Falcão e Garotinhos, deviam prestar atenção ao que disse o
historiador inglês Eric Hobsbawn, que definiu o Brasil como o “campeão
da irresponsabilidade social”. Mas um dos nossos problemas é que nos
faltam estadistas.
Não
por acaso, os radicais do movimento foram para cima dos símbolos do
poder – Prefeitura e Bandeirantes em São Paulo, Assembleia no Rio,
ministérios em Brasília, O susto já foi dado nas classes políticas.
Certamente, está todo mundo reavaliando seu discurso, suas atitudes,
suas conveniências.
Que
a presidente Dilma, leitora de bons livros e conhecedora de exemplos
que a História Mundial oferece, fique atenta. Em situações de grave
crise nacional, o remédio que a História ensina é o da convocação de uma
Assembleia Constituinte exclusiva – voltada especificamente para
definir as diretrizes, enfim, de uma reforma política. Não se rompe o
atual divórcio entre Estado e cidadãos sem limitação ao número de
partidos, sem critérios etico-políticos na representação dos deputados e
senadores – que devem atuar na defesa dos cidadãos, hoje reduzidos a
meros súditos-contribuintes. E essa reforma poderia estar voltada,
também, para melhor controle de gastos públicos, para uma definição mais
concreta de obrigações do Estado no campo da saúde, da educação.
A
sociedade manifestou-se claramente. Exige transparência, rigor e
competência. Que sejam tomadas providências enquanto o quadro nacional
não piore!”
*Carlos Guilherme Mota é historiador, professor emérito da USP e professor da Universidade Mackenzie.
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