quarta-feira, 25 de dezembro de 2013

Coronéis, Cangaceiros e Fanáticos

O sertão brasileiro, mais particularmente o interior do Nordeste, passava por uma crise social sem precedentes durante o final do século XIX e o início do século XX. O sertanejo se sentia abandonado pelas autoridades, isolado da civilização, e sofria com uma infra-estrutura que beneficiava os grandes proprietários das fazendas, os "coronéis", que se tornaram os donos do sertão. A vida girava em torno desses "coronéis". Eles protegiam e perseguiam, mandava e desmandavam. Na política, cometiam todo tipo de fraude para beneficiar seus candidatos. Em seus territórios, dependendo da maior ou menor liderança, nada se fazia sem a sua determinação. Os humildes, portanto, estavam sob o seu domínio.
Os coronéis cometiam arbitrariedades e suas vítimas não tinham a quem recorrer. "A situação dos pobres do campo no fim do século XX, e mesmo em pleno século XX, não se diferenciava daquela de 1856. Era mais do que natural, era legítimo, que esses homens sem terra, sem bens, garantias, buscassem uma "saída" nos grupos de cangaceiros, beatos e conselheiros, sonhando a conquista de uma vida melhor. E muitas vezes lutando por ela a seu modo, de armas nas mãos", comentou Rui Facó.
Coronéis, cangaceiros e fanáticos fazem parte de uma mesma realidade. Os coronéis organizavam grupos armados para, através deles, exercerem o poder. Esses homens armados antecederam o cangaço. No instante em que se libertaram do jugo dos coronéis e passaram a fazer justiça pelas próprias mãos, se transformaram em cangaceiros.
Os cangaceiros foram imediatamente classificados de "bandidos", pelas autoridades e pela elite sertaneja. Na realidade, eles estavam fora da lei, porque não se enquadravam dentro nas regras vigentes na região: obediência total aos grandes proprietários. Alguns fazendeiros de menor prestígio, para fugir dos desmandos dos "coronéis", faziam aliança com cangaceiros...
Os coronéis podem cometer todo tipo de violência, tomar terras, cometer assassinatos, sem problemas, porque representavam a sociedade, uma comunidade machista, a lei, o poder.
As oligarquias se auto-intitulavam defensores dos bons costumes, contrárias, portanto, à ação dos "bandidos". O que elas defendiam, na realidade, eram seus bens, uma situação que lhes dava somente privilégios. Por outro lado, os homens humildes do sertão, rudes, sem instrução, ofendidos e humilhados, pensando em vingança, não podiam agir de outra maneira, a não ser através da violência. O cangaço foi, num certo sentido, um levante contra o absolutismo dos coronéis, e filho da miséria que reinava numa estrutura latifundiária obsoleta e injusta.
O pequeno agricultou, o trabalhador do campo, sonhava com um mundo diferente, onde não houvesse seca, com rios perenes e onde, sobretudo, ninguém passasse fome e houvesse o império da justiça... Era o mundo que os "beatos" e místicos prometiam para seus adeptos. Os trabalhadores rurais queriam dialogar com Deus, mas não sabiam como agir em busca do caminho que levasse, todos eles, para o Paraíso. Faltavam, entretanto, sacerdotes. Na ausência dos padres, homens simples, analfabetos ou não, impressionados com a realidade em que viviam, apelavam para o sobrenatural, rezavam e chegavam a imaginar a si próprios enviados de Deus, para livrar o povo do pecado e da miséria, através da oração e de sacrifícios... Para eles somente assim os nordestinos poderiam atingir a felicidade eterna!
Os dois maiores místicos foram: padre Cícero Romão Batista e Antonio Conselheiro, ambos cearenses! O primeiro exerceu uma grande influência em todo o Nordeste e ainda hoje mantém adeptos no Rio Grande do Norte.
Diferente dos demais, o padre Cícero possuía uma grande cultura e era profundo conhecedor do sertão. Acontece que sua fama de "milagreiro" despertou uma reação negativa na própria Igreja Católica.
O padre Cícero é a própria síntese do sertão nordestino: não foi apenas um fazedor de milagre. Foi muito mais. Com o passar do tempo, cresceu o seu poder, exercendo grande influência política. Passou a ser um "coronel". Conviveu com cangaceiros. Teve, inclusive, um encontro com Lampião, dando-lhe a patente de capitão. O que muitos não podiam compreender era a sua opção pelos pobres, provocando um conflito com a ala conservadora da Igreja. Sobre ele, ponderou Neri Feitosa: "Propôs-se a si mesmo ou recebeu de Deus a missão de levantar o ânimo do nordestino humilhado e sofredor, injustificado em seus direitos, embaraçados na saída do túnel de suas desditas".
Como chefe político, sofreu também oposição daqueles que seguiram orientação contrária à sua maneira de agir.
O Nordeste, naquela época, era uma região onde predominava a miséria, ignorância e a violência.
Diante desse quadro, é compreensível que o homem rude, não fazendo parte dos protegidos dos coronéis, optasse pelo cangaço para fugir da prepotência dos policiais ou procurasse seguir os beatos, para se redimir de seus pecados e conseguir, através da oração e do sacrifício, atingir a felicidade eterna...
Os cronistas urbanos, quase sempre combatiam a ação dos assaltantes, enquanto os cantadores, geralmente exaltavam os cangaceiros e também os místicos.

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