Por: * Manfredo Araújo de Oliveira
Ano de eleições decisivas
para o país! Seguimos os movimentos dos partidos, dos candidatos,
negociação sem fim, falta de propostas etc. Tudo pode ser muito
emocionante, mas normalmente nos esquecemos de que na realidade não
temos eleições que manifestem a vontade soberana dos cidadãos uma vez
que elas são compradas pelos grandes grupos econômicos. Uma lei de 1997
liberou o financiamento privado das campanhas por interesses privados
(uma vaga de deputado federal custa por volta de 2,5 milhões) o que fez
com que os recursos empresariais constituam a fonte mais importante de
financiamento das campanhas. A deformação financeira gera assim sua
própria legalidade e transforma o poder financeiro em direito político.
Desta forma o voto não representa mais o cidadão já que o processo
eleitoral é deformado através de grandes somas de dinheiro.
O
Prof. L. Dowbor em livro recente nos mostra um exemplo muito
significativo: o caso da empresa Friboi, o maior grupo mundial na área
de carne. Há uma bancada Friboi no Congresso com 41 deputados federais e
7 senadores que com uma única exceção votaram contra as modificações do
Código Florestal.
O próprio relator do código recebeu 1,25 milhão de empresas
agropecuárias. Uma empresa não financia um candidato por solidariedade,
mas em virtude das políticas de seu interesse que serão aprovadas
através de seus votos. Os políticos caem numa armadilha lamentável:
entre representar os interesses legítimos da população (o mote central
das manifestações recentes) e assegurar a próxima eleição a decisão se
impõe. Através disto é o próprio processo de decisão sobre o uso dos
recursos públicos que de alguma forma é privatizado. A consequência
terrível é que se perde a dimensão pública do Estado.
Trata-se
claramente de uma apropriação privada da política que conduz a uma
sistemática deformação das prioridades do país: os recursos públicos ao
invés de serem investidos no que traz melhora da qualidade de vida são
direcionados para o que traz mais lucro em termos de contratos
empresariais. Um elemento importante neste processo é o
sobre-faturamento. Quanto maior for o custo financeiro das campanhas
maior será a concentração da pressão empresarial sobre os políticos em
grandes empresas. Sendo as empresas poucas, poderosas e com muitas
vinculações a políticos, a tendência é organizar a seu favor a
estruturação dos contratos com duas consequências de enormes efeitos: a
concorrência pública se torna um grande arremedo e a elevação radical
dos grandes contratos. Isto faz com que os lucros alcançados sejam a
base do financiamento das futuras campanhas de tal modo na realidade o
próprio Estado se torna a garantia dos fundos para o financiamento
privado das campanhas. Tal processo corrói pela raiz a gestão pública e
deforma essencialmente a democracia o que gera a enorme perda de
confiança da população nas dinâmicas públicas.
Experiências de
outros países mostram que esta tragédia não constitui um destino
inexorável. Por esta razão a recuperação da dimensão pública do Estado é
certamente um dos desafios centrais do Brasil de hoje.
*Manfredo Araújo de Oliveira
Padre
e filósofo. Professor na Universidade Federal do Ceará (UFC). Mestre em
Teologia pela Universidade Gregoriana de Roma, Itália, e doutor em
Filosofia pela Universidade Ludwig-Maximilian de Munique, Alemanha.
Assessor das Pastorais Sociais e padre da Arquidiocese de Fortaleza. É
Presidente da ADITAL
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