sexta-feira, 11 de setembro de 2015

Cada cabeça, uma sentença



Por Hélio Doyle
Uma grande bobagem muitas vezes repetida não se torna, necessariamente, verdade. Um bom exemplo é a gasta afirmação de que “decisão judicial não se discute, cumpre-se”. Discute-se, sim, principalmente quando é absurda e contraria o bom senso. Até porque muitas vezes leigos demonstram muito mais sapiência e bom senso do que alguns togados.
Os primeiros a discutir decisões judiciais, com inesgotáveis recursos judiciais e chicanas jurídicas, são os advogados das partes. É dever de ofício, favorecido pela complexa, antiquada e retrógrada legislação brasileira que ajuda a Justiça a ser lenta e é especialmente benéfica para quem tem muito dinheiro, graças aos recursos protelatórios bem manejados por advogados caros.
Mas não apenas os advogados – e, de outro lado, o Ministério Público -- têm o direito de discutir, nos autos, uma decisão judicial. Qualquer cidadão pode fazê-lo fora dos autos, mesmo desconhecendo a lei e seus meandros. Porque, para as pessoas comuns, fazer justiça não depende de filigranas jurídicas, mas de bom senso. As filigranas, geralmente, atrapalham a administração da Justiça.
Como, então, não discutir a ridícula decisão do presidente – veja-se, presidente – do Tribunal Regional Federal 1, que liberou o pagamento de remuneração acima do teto constitucional para felizes funcionários do Senado. Não é preciso ser operador do Direito, como gostam de se chamar os advogados, para ver que o magistrado escreveu um monte de bobagens para justificar sua decisão esdrúxula. Com palavras difíceis, claro.
Segundo o nobre presidente, limitar o salário dos funcionários do Senado atenta contra a ordem pública e poderia inviabilizar os serviços da Casa Legislativa. Não se pode dizer isso impunemente, quanto mais escrever. O meritíssimo achou que sem receber os valores acima de R$ 26.713 os servidores do Senado iriam fazer greve ou se sentir à vontade para não trabalhar? Bem, e se ficassem, alguém sentiria falta? Essa decisão do presidente – presidente! – do TRF 1 foi divulgada, mas quantas mais, tão absurdas como essa, terá ele emitido ao longo de sua carreira jurídica?
Felizmente há, no mesmo TRF 1, uma desembargadora aparentemente mais preparada do que o presidente. Ela manteve a limitação dos salários dos servidores da Câmara nos valores do teto constitucional, conforme havia decidido o juiz de primeira instância. Ambos certamente não têm os mesmos delírios do presidente e não viram ameaça à ordem pública em limitar os salários em apenas R$ 26.713. Mas a decisão final será tomada pelo tribunal, algum dia, não se sabe quando. Até lá, por esses absurdos que ninguém explica convincentemente, os servidores do Senado podem ultrapassar o teto, os da Câmara não podem.
Essa é a Justiça brasileira. Propositalmente confusa, verborrágica, lenta, formal, ministrada muitas vezes por juízes despreparados, quando não – como se tem visto – corruptos, vendedores de despachos e sentenças. Uma Justiça que adora feriados, enforcamentos e recessos.
Outro episódio recente que também demonstra a fisionomia da Justiça brasileira é o da absolvição, por um tribunal do júri, da agricultora que passou a vida sendo violentada pelo pai, com quem teve filhos, e quis impedir que a filha tivesse o mesmo destino. Especialistas especularam, nos dias seguintes, que se ela tivesse sido julgada por um juiz teria sido condenada, embora com possíveis atenuantes. Sem falar que, por decisão judicial, ficou um bom tempo presa.
O júri, formado por pessoas comuns, fez, assim, mais justiça do que fariam juízes que passaram pelo menos cinco anos estudando Direito e mais alguns anos estudando para fazer concurso. Alguma coisa está errada, é óbvio. O júri é leigo e pode se influenciar emocionalmente pelos fatos, pela retórica do promotor ou do advogado, o que é ruim. Mas o juiz está limitado pelo tecnicismo e pelo formalismo de diplomas legais feitos para complicar, e não para simplificar. E o que é complicado vale mais.
O que talvez a Justiça brasileira precise, além de muitas outras coisas, como uma legislação mais simples, direta e eficaz, é equilibrar sua aplicação, pelo menos em causas criminais e menos especializadas, entre juízes preparados técnica e filosoficamente para o exercício da função e pessoas comuns, equilibradas e com bom senso. Parece absurdo, e certamente os operadores do Direito vão rir da proposta, mas há decisões judiciais que, seguramente, não seriam tomadas por pessoas comuns, equilibradas e com bom senso.
Mas tem uma coisa essencial: esses juízes leigos não poderiam ser indicados por políticos, como eram os vogais da Justiça do Trabalho. Já é difícil viabilizar a ideia, com políticos no meio é que não daria certo mesmo.

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