quinta-feira, 5 de março de 2015

O financiamento de campanha pelo mundo

O sistema que envolve recursos públicos e privados ainda predomina na maioria dos países, embora esteja na origem de sucessivos casos de corrupção

O financiamento de campanhas eleitorais ao redor do mundo se tornou, a partir da metade do século 20, um dos maiores debates sobre a democracia moderna que hoje rege a maior parte dos países. O modelo democrático atual depende da existência de partidos políticos, que, por sua vez, precisam arrecadar dinheiro de alguma forma para funcionarem. Sendo assim, é óbvio que, quanto mais ricos, mais estes grupos políticos têm capacidade de atingir o maior objetivo deles: o poder. Ao analisar a situação, um dos cientistas políticos mais importantes da atualidade, o francês Maurice Duverger, apontou a fragilidade do sistema: “A democracia não está ameaçada pelo regime de partidos, mas pelo financiamento deles”.
Um dos países de vanguarda no financiamento público de campanhas políticas é a Alemanha, que estipulou a regra para as eleições presidenciais de 1959. Inicialmente, o financiamento se direcionava apenas à reposição dos custos de campanha, acontecendo nos anos eleitorais. Em 1994, porém, a lei foi alterada, e os recursos passaram a ser distribuídos anualmente. Desde então, para a escolha dos 620 representantes da Bundestag, que equivale à Câmara dos Deputados, vale um sistema proporcional à votação recebida nas urnas. Os partidos apresentam listas de candidatos e o dinheiro é direcionado de acordo com os votos que a agremiações políticas tenham recebido em suas listas.
Na França, as campanhas políticas também são realizadas com recursos públicos, com a proibição de doações de empresas tanto para candidatos como para partidos políticos. A proibição de empresas ou de qualquer outra pessoa jurídica (fundações, associações, sindicatos) de fazer doações a políticos entrou em vigor em 1995. Foi quando ocorreu uma reforma na legislação eleitoral na França, motivada por uma série de escândalos sobre financiamentos ocultos recebidos pelos partidos em 1988. Mas, ao contrário do alemão, o sistema francês permite doações de particulares: além do financiamento pelo Estado, pessoas físicas podem doar, em uma eleição, até 4,6 mil euros (R$ 13,4 mil) a cada candidato. Podem doar também até 7,5 mil euros (R$ 21,8 mil) por ano para cada partido político.
Na Itália, o financiamento público foi instituído em 1974, entrando em vigor, de fato, apenas em 1993. No entanto, um referendo popular em 1999 alterou novamente as regras, já que, na consulta, os italianos se mostraram em desacordo com os ordenamentos. Assim, uma nova lei foi escrita, prevendo o reembolso de despesas das propagandas eleitorais, proporcional ao tamanho do partido, à representatividade dele no Congresso. As empresas privadas até podem financiar partidos, mas são obrigadas a declarar as doações, como acontece no Brasil. A Itália, no entanto, foi e continua sendo palco de escândalos provocados por desvios de conduta de seus políticos. Em 1992, foi deflagrada uma das operações policiais mais famosas da história do país, a Operação Mãos Limpas, que investigou a relação da máfia italiana com bancos, instituições judiciais e campanhas eleitorais de parlamentares. O grande trunfo da operação foi o testemunho de um dos principais chefes de grupos mafiosos, Tommaso Buscetta, que havia sido preso em São Paulo, em 1983, e deportado para a Itália.
A Operação Mãos Limpas terminou com 6.059 pessoas presas, dentre elas 872 empresários, 1.978 administradores e 438 representantes do Legislativo, dos quais quatro haviam sido primeiros-ministros. A corrupção no país não acabou: em junho deste ano a Guardia di Finanza de Veneza concluiu uma grande investigação por lavagem de dinheiro, envolvendo políticos, militares e juízes. Vinte e cinco pessoas foram presas e outras dez colocadas sob supervisão judicial, entre elas o atual prefeito da cidade, Giorgio Orsoni, do esquerdista Partido Democrático, acusado de financiar ilegalmente sua campanha à prefeitura em 2010.
Na América Latina, os sistemas tendem ao modelo misto de financiamento de campanhas. Estudo de Daniel Zovatto, diretor para a América Latina e Caribe da organização IDEA Internacional, mostrou que 94% dos países da região aderem à forma de financiamento eleitoral em que os partidos políticos recebem fundos públicos e privados para financiar suas campanhas e custear gastos de funcionamento.
É assim, por exemplo, na Argentina, onde os recursos são distribuídos pelo Estado, mas com a autorização do aporte de pessoas físicas em candidaturas. Pessoas jurídicas, porém, são proibidas de doar, com exceção dos partidos, em uma dinâmica parecida à da França. No México, as doações privadas não podem superar os financiamentos públicos, mas, assim como na Itália, a corrupção permanece. “Não deu certo (no México) porque as empresas continuam financiando. Só que agora é pior porque elas financiam e não se tem nenhum tipo de conhecimento de quem está financiando e nem de quanto está sendo financiado. Então, gerou um problema muito maior de corrupção”, analisa Maria do Socorro Souza Braga, professora de Ciência Política da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar).
Por fim, nos Estados Unidos, o financiamento de campanhas políticas para eleições federais (Presidência, Senado e Câmara) é supervisionado pela Federal Election Commission (FEC, na sigla em inglês), uma agência federal independente. A maior parte do financiamento vem de fontes privadas — que podem ser pequenos doadores individuais (pessoas que contribuem com US$ 200 ou menos), grandes doadores individuais (que contribuem com mais de US$ 200), comitês de ação política (os chamados PACs) e grupos cívicos — ou mesmo de autofinanciamento, nos casos em que o candidato financia a campanha com seu próprio dinheiro.

quinta-feira, 26 de fevereiro de 2015

Os salários dos deputados, senadores, ministros do STF e da presidente



Redação Pragmatismo
Saiba quanto ganham deputados, senadores, ministros de governo, ministros do STF e Presidente da República, além dos benefícios adicionais específicos de cada cargo
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Deputados federais no Brasil ganham R$ 33,7 mil por mês, além de R$ 92 mil mensais de verba de gabinete, entre outros benefícios (divulgação)
PRESIDENTE DA REPÚBLICA.
Salário mensal: R$ 30,9 mil.
Moradia: Duas residências oficiais em Brasília – o Palácio da Alvorada e a Granja do Torto.
Plano de Saúde: Todas as despesas são pagas, incluindo as de familiares diretos.
Cotas: Não tem. A Presidência tem cartões corporativos, cujo limite varia de acordo com o orçamento.
Passagens: Viaja em aviões da FAB tanto em missões oficiais quanto em viagens de âmbito particular.
Cargos de confiança: Não há limites. Depende da criação de cargos autorizada pela Presidência.
MINISTROS DE GOVERNO.
Salário mensal: R$ 30,9 mil.
Moradia: Residência oficial ou auxílio moradia de R$ 6,6 mil.
Plano de Saúde: Não têm assistência específica, exceto se tiverem sido servidores públicos.
Cotas: Não têm. Têm acesso a cartão corporativo com limite que varia de acordo com o orçamento de cada ministério.
Passagens: Em missões oficiais, podem usar aviões da FAB ou voos de carreira.
Cargos de confiança: Não há limites. Depende da criação de cargos autorizada pela Presidência.
MINISTROS DO STF
Salário mensal: R$ 33,7 mil.
Moradia: Residência oficial ou auxílio-moradia de R$ 4,3 mil.
Plano de Saúde: Pagam plano de saúde específico do STF. Dependentes e cônjuges podem ser incluídos na cobertura.
Cotas: Não têm direito a cotas ou verbas de gabinete e nem acesso a cartões corporativos. Cada ministro tem direito a um carro oficial e motorista. Gastos com combustível são ilimitados.
Passagens: Cota anual de R$ 42,8 mil para gastos com passagens. O presidente do STF também pode viajar em aviões oficiais.
Cargos de confiança: Cada ministro pode nomear até 8 funcionários de confiança. Metade deles deve ser concursado. O salário bruto de cada assessor é de R$ 10,3 mil.
SENADORES
Salário mensal: R$ 33,7 mil.
Moradia: Apartamento funcional ou auxílio-moradia de R$ 4,2 mil.
Plano de Saúde: Senadores, cônjuges ou dependentes de até 21 anos (ou 24, quando universitários), têm despesas médicas reembolsáveis. Limite para despesas odontológicas e psicoterápicas é de R$ 25,9 mil.
Cotas: Cota parlamentar: R$ 15 mil (paga despesas com funcionários, aluguel de escritório de apoio, material de consumo, combustíveis, consultoria, entre outras). Despesas extras: R$ 9 mil (custos com gráficas e telefonia fixa). Despesas com telefone celular são ilimitadas.
Passagens: Cinco trechos de passagens aéreas entre a capital do Estado do senador e Brasília por mês.
Cargos de confiança: Podem nomear funcionários em Brasília ou em seus escritórios regionais desde que dentro do limite imposto pela cota parlamentar que é de R$ 15 mil por mês.
DEPUTADOS FEDERAIS
Salário mensal: R$ 33,7 mil.
Moradia: Apartamento funcional ou auxílio-moradia de R$ 4,2 mil.
Plano de Saúde: Deputados e familiares têm atendimento médico gratuito no departamento médico da Câmara. Deputados também podem ter despesas médicas e odontológicas realizadas na rede privada reembolsadas. A medida não se aplica a familiares.
Cotas: Cota de R$ 30,2 mil a R$ 44,9 mil (pode ser usada para pagar passagens, telefone, Correios, fretamento de aeronaves entre outras despesas. Varia de acordo com o Estado do parlamentar). Verba de gabinete: R$ 92 mil (destinada ao pagamento de cargos de confiança).
Passagens: Podem comprar passagens com a verba de gabinete. A partir de 2015, as mulheres dos deputados também poderão ter passagens pagas pela Câmara.
Cargos de confiança: Têm direito a nomear até 25 funcionários cujos salários somados não podem ultrapassar R$ 92 mil.

segunda-feira, 23 de fevereiro de 2015

O neoliberalismo demoliu a noção de bem comum


Redação Pragmatismo Editor(a)
Política 20/Feb/2015 às 16:48

O bem comum foi enviado ao limbo pelo neoliberalismo. Em seu lugar, entraram as noções de rentabilidade, de flexibilização, de adaptação e de competitividade

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Leonardo Boff
As atuais discussões políticas no Brasil em meio a uma ameaçadora crise hídrica e energética se perdem nos interesses particulares de cada partido. Há uma tentativa articulada pelos grupos dominantes, por detrás dos quais se escondem grandes corporações nacionais e multinacionais, a mídia corporativa e, seguramente, a atuação dos serviços de segurança do Império norte-americano, de desestabilizar o novo governo de Dilma Rousseff. Não se trata apenas de uma feroz crítica às políticas oficiais mas há algo mais profundo em ação: a vontade de desmontar e, se possível, liquidar o PT que representa os interesses das populações que historicamente sempre foram marginalizadas. Custa muito às elites conservadoras aceitarem o novo sujeito histórico – o povo organizado e sua expressão partidária – pois se sentem ameaçadas em seus privilégios. Como são notoriamente egoístas e nunca pensaram no bem comum, se empenham em tirar da cena essa força social e política que poderá mudar irreversivelmente o destino do Brasil.
Estamos esquecendo que a essência da política é a busca comum do bem comum. Um dos efeitos mais avassaladores do capitalismo globalizado e de sua ideologia, o neo-liberalismo, é a demolição da noção de bem comum ou de bem-estar social. Sabemos que as sociedades civilizadas se constroem sobre três pilastras fundamentais: a participação (cidadania), a cooperação societária e respeito aos direitos humanos. Juntas criam o bem comum. Mas este foi enviado ao limbo da preocupação política. Em seu lugar, entraram as noções de rentabilidade, de flexibilização, de adaptação e de competitividade. A liberdade do cidadão é substituída pela liberdade das forças do mercado, o bem comum, pelo bem particular e a cooperação, pela competição.
A participação, a cooperação e os direitos asseguravam a existência de cada pessoa com dignidade. Negados esses valores, a existência de cada um não está mais socialmente garantida nem seus direitos afiançados. Logo, cada um se sente constrangido o garantir o seu: o seu emprego, o seu salário, o seu carro, a sua família. Impera o individualismo, o maior inimigo da convivência social. Ninguém é levado, portanto, a construir algo em comum. A única coisa em comum que resta, é a guerra de todos contra todos em vista da sobrevivência individual.
Neste contexto, quem vai implementar o bem comum do planeta Terra? Em recente artigo da revista Science (15/01/2015) 18 cientistas elencaram os nove limites planetários (Planetary Bounderies), quatro dos quais já ultrapassados: o clima, a integridade da biosfera, o uso do solo, os fluxos biogeoquímicos (fósforo e nitrogênio). Os outros encontram-se em avançado grau de erosão. Só a ultrapassagem desses quatro, pode tornar a Terra menos hospitaleira para milhões de pessoas e para a biodiversidade. Que organismo mundial está enfrentando essa situação que destrói o bem comum planetário?
Quem cuidará do interesse geral de mais de sete bilhões de pessoas? O neoliberalismo é surdo, cego e mudo a esta questão fundamental como o tem repetido como um ritornello o Papa Francisco. Seria contraditório suscitar o tema do bem comum, pois o neoliberalismo defende concepções políticas e sociais diretamente opostas ao bem comum. Seu propósito básico é: o mercado tem que ganhar e a sociedade deve perder. Pois é o mercado que vai regular e resolver tudo. Se assim é por que vamos construir coisas em comum? Deslegitimou-se o bem-estar social.
Ocorre, entretanto, que o crescente empobrecimento mundial resulta das lógicas excludentes e predadoras da atual globalização competitiva, liberalizadora, desregulamentora e privatizadora. Quanto mais se privatiza mais se legítima o interesse particular em detrimento do interesse geral. Como mostrou em seu livro Thomas Piketty, O Capitalismo no século XXI quanto mais se privatiza, mais crescem as desigualdades. É o triunfo do killer capitalism. Quanto de perversidade social e de barbárie aguenta o espírito? A Grécia veio mostrar que não aguenta mais. Recusa-se a aceitar do diktat dos mercados, no caso, hegemonizados pela Alemanha de Merkel e pela França de Hollande.
Resumindo: que é o bem comum? No plano infra-estrutural é o acesso justo de todos à alimentação, à saúde, à moradia, à energia, à segurança e à cultura. No plano social e cultural é o reconhecimento, o respeito e a convivência pacífica. Pelo fato de sob a globalização competitiva foi desmantelado, o bem comum deve agora ser reconstruído. Para isso, importa dar hegemonia à cooperação e não à competição. Sem essa mudança, dificilmente se manterá a comunidade humana unida e com um futuro bom.
Ora, essa reconstrução constitui o núcleo do projeto político do PT originário e de seus afins ideológicos. Entrou pela porta certa: Fome Zero depois transformada em várias políticas públicas de cunho popular. Tentou colocar um fundamento seguro: a repactuação social a partir dos valores da cooperação e a boa-vontade de todos. Mas o efeito foi fraco, dada a nossa tradição individualista a patrimonialista.
Mas no fundo vigora esta convicção humanística de base: não há futuro a longo prazo para uma sociedade fundada sobre a falta de justiça, de igualdade, de fraternidade, de respeito aos direitos básicos, de cuidado pelos bens naturais e de cooperação. Ela nega o anseio mais originário do ser humano desde que emergiu na evolução, milhões de anos atrás. Quer queiramos ou não, mesmo admitindo erros e corrupção, o melhor do PT articulou e articula esse anseio ancestral. É a partir daí que pode se resgatar, se renovar e alimentar sua força convocatória. Se não for o PT serão outros atores em outros tempos que o farão.
Cooperação se reforça com cooperação que devemos oferecer incondicionalmente.Sem isso viveremos numa sociedade que perdeu sua altura humana e regride ao regime dos chimpanzés.

sexta-feira, 20 de fevereiro de 2015

As muitas faces do financiamento de campanha

Considerado a raiz da maioria dos males políticos do país, atual modelo, que permite doações de empresas, é alvo de críticas de todos os lados. Julgamento no STF pode antecipar início das mudanças eleitorais

As eleições no Brasil estão entre as mais caras do mundo. Segundo levantamento da revista Em Discussão! com base em dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o custo do voto nas eleições presidenciais, por exemplo, cresceu quase quatro vezes entre 2002 e 2014, passando de R$ 227 milhões (valor atualizado) para R$ 830 milhões.
Campanhas mais caras significam maior dependência do poder econômico para uma candidatura competitiva — ou seja, mais participação e maior influência dos grandes doadores eleitorais, que são as grandes empresas.
Na legislação eleitoral vigente, não há limite em valores absolutos para a doação por parte de pessoas jurídicas, que podem doar até 2% do faturamento bruto do ano anterior, fatia que será mais vultosa quanto maior for a companhia. Também não há restrição a que uma mesma empresa financie candidatos diferentes.
O fenômeno incomoda tanto a classe política quanto a sociedade civil organizada. O senador Randolfe Rodrigues (PSOL-AP), por exemplo, não mede palavras. Para ele, o sistema está “putrefato”. “Tem que acabar já, de preferência ontem. Insistir nele é corroer todas as estruturas do estado democrático de direito”, diz. Já o líder do PT no Senado, Humberto Costa (PE), acredita que o financiamento privado de campanhas “tem sido o principal responsável por boa parte dos escândalos do país”.
Os problemas atuais
O juiz eleitoral Márlon Reis, fundador do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE), enxerga que uma “relação inadequada” se desenvolveu entre políticos e empresas devido ao modelo de financiamento privado. “As doações dão às empresas o direito de escolher a maior probabilidade de êxito. Os grandes doadores definem e quem não pode ou não quer doar fica em dificuldades depois, nos contatos políticos com o Estado. Não há finalidade cívica. É investimento”, explica.
O barateamento das campanhas e a redução do papel das empresas são apontados como prioridades em uma reforma política. O caminho indicado por diversos parlamentares e representantes de entidades é a adoção de alguma forma de financiamento público das campanhas.
Para Randolfe Rodrigues, a falência do modelo do financiamento privado está sendo demonstrada pela Operação Lava-Jato, da Polícia Federal, que investiga empresas suspeitas de pagarem propinas para garantir contratos com a Petrobras. “É a institucionalização da corrupção. Doa-se legalmente, mas depois ganha-se em licitação. Até o financiamento legal acaba sendo uma lavanderia”, resume o senador.
Randolfe também usa um exemplo concreto para ilustrar a influência das empresas doadoras de grandes somas. Ele relata que o grupo JBS, principal doador em 2014, com R$ 352 milhões distribuídos entre diversas candidaturas, protestou contra a indicação da senadora licenciada Kátia Abreu (PMDB-TO) para o Ministério da Agricultura. “[A empresa] ficou insatisfeita com a nomeação e tentou vetar. Tenho minhas divergências com a senadora Kátia, mas o que a JBS está fazendo é uma chantagem ao governo, por ter interesses econômicos contraditórios”.
O juiz Márlon Reis entende que a confusão entre público e privado na prática governamental brasileira é, hoje, nada mais do que extensão das relações econômicas indiscriminadas entre candidatos e empresas durante o período eleitoral. “A campanha é a véspera do mandato. Se a campanha for uma relação íntima entre candidatos e empresas, ela perdurará depois, até como forma de recompensar essas empresas”, explica.
Movimentação da OAB
Até agora, o passo mais contundente para desmontar a influência das grandes empresas no financiamento de campanhas foi dado pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). A organização entrou com uma ação direta de inconstitucionalidade no Supremo Tribunal Federal (STF) contra as doações eleitorais feitas por empresas.
O processo tem, por enquanto, seis votos favoráveis e um contrário — ou seja, já construiu maioria no STF, que é composto por 11 ministros. Um desses votos é do ministro Luís Roberto Barroso.
Para Barroso, o financiamento por empresas é “antirrepublicano e antidemocrático” por duas razões: não impede que o mesmo doador financie vários candidatos e não restringe a participação de empresas doadoras na gestão do governante eleito. “Isso não é exercício de liberdade de expressão, portanto considero que nesta hipótese ou há uma pressão — para não dizer um achaque — ou a pessoa está comprando um favor futuro. O candidato eleito termina pagando com dinheiro público o favor privado”, critica o ministro.
O presidente da OAB, Marcus Vinicius Coêlho, argumenta que a prática fere o princípio constitucional da igualdade. “O atual regime exacerba as desigualdades sociais ao permitir que os ricos tenham possibilidade muito maior de influir nos resultados das eleições. Alguém, por ter mais recursos ou por ser dono de uma empresa, não pode ter um fator de participação maior no momento mais importante da democracia”, discorre ele.
A movimentação no Supremo, provocada pela ação da OAB, pode levar o tribunal a se pronunciar sobre a questão antes do Congresso Nacional, já abrindo o caminho para o debate.
O cientista político David Fleischer, da Universidade de Brasília (UnB), crê que a expectativa do resultado favorável à ação pode quebrar a inércia do Legislativo em debater objetivamente o financiamento. “Ao decidir, os parlamentares terão em mente a decisão do STF. Acho que essa tendência de vetar a doação de empresas vai ajudar a convencer a classe política a favor do financiamento público”.
A votação no STF está parada desde abril, devido a um pedido de vista do ministro Gilmar Mendes. Humberto Costa já protestou no Plenário do Senado contra a demora e cobrou de Mendes a devolução do processo.
“O Poder Judiciário deve cumprir a sua parte com o aperfeiçoamento da democracia no Brasil. Senhor ministro, o Brasil espera que Vossa Excelência devolva ao debate essa ação, para que o STF possa tomar uma ação definitiva”, exortou o líder do PT, em outubro.
Dinheiro público
Entre quem debate o tema, não existe consenso a respeito de qual forma deveria tomar um modelo de financiamento público de campanha ou quais dimensões e profundidade ele alcançaria. Entre os questionamentos que se colocam na discussão, estão a proibição total ou parcial da participação de empresas, a questão das doações por pessoas físicas e a forma de distribuição do dinheiro público destinado a financiar campanhas.
O ex-senador Francisco Dornelles, hoje vice-governador do Rio de Janeiro, presidiu, em 2011, a Comissão Especial de Reforma Política do Senado, que elaborou diversos projetos de reestruturação política e eleitoral — nenhum dos quais foi aprovado em definitivo até hoje. Ele é favorável a mudanças, mas não muito profundas. “É muito difícil fazer um financiamento exclusivamente público. O sistema que existe hoje deve ser aperfeiçoado, estabelecidos alguns limites”, defende.
Apesar de apoiar a redução da participação do setor privado no financiamento de campanhas, Dornelles mostra-se reticente quanto a um modelo de financiamento completamente público, bancado pelos cofres do Estado. Ele também tem dúvidas quanto ao manuseio dos recursos. “Hoje você pode dar dinheiro a quem pensa como você. No financiamento público, seu dinheiro vai para partidos que você não gostaria de ajudar. E como uma cúpula partidária distribuiria esses fundos? Mandariam para os amigos do partido, os estados em que eles querem prevalecer”, questiona.
O senador Ronaldo Caiado (DEM-GO) confia na viabilidade de um modelo de financiamento público, contanto que ele venha acompanhado de uma mudança no sistema eleitoral proporcional que institua o voto em lista fechada para as eleições proporcionais (de deputados e vereadores). Essa medida, para ele, permitiria uma distribuição organizada do dinheiro e facilitaria a fiscalização dos gastos pelos tribunais eleitorais.
“No momento que você tem uma lista preordenada, nenhum candidato vai fazer campanha individual, e sim partidária. Com a lista, cabe aos tribunais fiscalizar apenas 32 partidos. Hoje, sem a lista, é necessário fiscalizar 500 mil candidaturas no Brasil. É inviável”, diz Caiado.
O senador acredita, ainda, ser uma temeridade entregar o dinheiro diretamente aos candidatos e entende que o financiamento público, se aplicado, deveria abastecer os caixas dos partidos, que então distribuiriam as verbas entre os candidatos segundo critérios próprios — daí a necessidade, para ele, do sistema de candidaturas em lista fechada.
A necessidade de conjugar o financiamento público à adoção da lista fechada também é lembrada pelo professor David Fleischer. Ele ainda coloca como alternativa a proposta do movimento Coalizão Democrática, capitaneada pela OAB e outras 43 entidades, que propõe eleição proporcional em dois turnos, sendo o primeiro reservado à votação na legenda para definir os quocientes partidários e o segundo dedicado à votação nominal em candidatos, estabelecendo os eleitos. Ambos os casos são vistos por Fleischer como formas de reduzir os custos as campanhas.
“O financiamento público só vai ser viável se a quantidade de candidatos for reduzida drasticamente, e a lista fechada pode ajudar. A proposta de eleições proporcionais em dois turnos reduz o número de candidatos no segundo, e a campanha entre os turnos tem duração pequena, o que reduz as despesas eleitorais”.
Já para definir em que proporção o dinheiro chegaria aos partidos, o senador Ronaldo Caiado sugere um cálculo que combine a representação parlamentar das legendas e o peso das bancadas estaduais. Partidos com mais membros na Câmara receberiam mais verbas nas eleições seguintes, de forma a refletir a preferência do eleitorado. Esse critério seria ponderado pelos desempenhos eleitorais dos partidos nos diferentes estados, de forma a melhor contemplar as siglas que fossem mais bem votadas nos estados mais populosos.
A forma de distribuição do dinheiro é objeto de um projeto de lei já existente no Senado, fruto dos trabalhos da Comissão Especial de Reforma Política. O Projeto de Lei do Senado 268/2011 aplica as regras de distribuição de verbas do Fundo Partidário às verbas públicas que seriam destinadas ao financiamento eleitoral. Ao mesmo tempo, ele cria barreiras à participação de pessoas físicas e jurídicas no caixa dos partidos.
A justificativa do texto elaborado pela comissão especial ressalta que os dispositivos permitem uma melhor fiscalização da prestação de contas dos partidos, já que determina a separação do caixa de campanha dos demais recursos e define a quantia exata de dinheiro lá disponível. O projeto foi aprovado em caráter terminativo pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ), mas foi alvo de um recurso para ir a votação no Plenário, onde ainda não foi incluído na ordem no dia.
Modelo diferente de financiamento de campanhas com dinheiro público é sugerido pelo senador Reguffe (PDT-DF). Ele não considera uma boa ideia distribuir os recursos diretamente para partidos ou candidatos, pois vê brecha para mau uso do dinheiro ou proliferação de legendas de aluguel. “Vai ter gente querendo ser candidato só para ganhar dinheiro”, alerta.
A ideia de Reguffe é a realização de licitações para cada um dos serviços da campanha eleitoral, como impressão de panfletos e gravação de programas de rádio e televisão. A empresa que vencesse a concorrência prestaria o mesmo serviço a todos os candidatos, igualando a disputa em termos de produtos.
“A campanha seria chata, mas a pessoa teria que ganhar no convencimento, no conteúdo, nas propostas. Isso daria uma menor desigualdade e uma igualdade de condições entre todos os que fossem candidatos. Aí seria democracia pra valer”, explica o senador Reguffe, que já chegou a apresentar a mesma proposta quando era deputado federal, mas promete defendê-la no Senado.