João Suassuna - Pesquisador da Fundação Joaquim Nabuco
As áreas sedimentares que possibilitam a acumulação de água no subsolo são muito esparsas na região Nordeste
Já
é mais do que sabido que as secas do Nordeste são periódicas e,
enquanto fenômeno natural, não há como combatê-las. Todavia, os seus
efeitos podem ser enfrentados com tecnologias apropriadas, tornando
possível a convivência do homem com o meio árido.
Quando
tratamos de tecnologias agrícolas para o Semi-árido - entendidas aqui
como aquelas fixadoras do homem no campo - temos que ter em mente um
ponto que é fundamental: a exploração, e com muita competência, da
capacidade de suporte da região. Neste aspecto somos otimistas.
O
Nordeste brasileiro tem 1600 000 Km² e apenas 2% dessa área são
passíveis de irrigação. Apesar de restrita, devido a problemas de
qualidade de solos, bem como de quantidade e qualidade de água, a região
poderá vir a ser um dos maiores pólos de fruticultura do mundo.
Estima-se o potencial irrigado do Vale do Rio São Francisco em
aproximadamente 1 milhão de hectares. Como termo de comparação, o Chile,
país com clima temperado, produziu no ano de 1997, em aproximadamente
200 mil hectares irrigados, algo em torno de 1,5 bilhão de dólares em
frutas. Temos, seguramente, nas margens do São Francisco, a capacidade
de produzir cinco vezes mais do que o Chile, com uma vantagem adicional:
o nosso semi-árido é o único no mundo localizado em uma região
tropical, significando dizer que não temos a ocorrência de neve nos
invernos. Este aspecto, aliado a intensa insolação - o semi-árido tem
aproximadamente 3000 horas de sol por ano - e com técnicas avançadas de
irrigação, possibilita até 3 colheitas por ano. A uva é um bom exemplo
de produção nas margens do São Francisco.
Fala-se
muito no extenso lençol de água no subsolo do Nordeste, e que sua
exploração poderia ser a solução para resolver de vez os problemas
hídricos da região. Não é bem assim. Nesse aspecto, temos que ter um
pouco de cautela. Água de subsolo só existe quando a geologia assim o
permite. As áreas sedimentares que possibilitam a acumulação de água no
subsolo são muito esparsas na região. No Semi-árido, o Estado do Piauí é
o que apresenta um maior percentual de áreas sedimentares (praticamente
todo o estado) e tem demonstrado exemplos de fartura hídrica, a exemplo
dos poços jorrantes no município de Cristino Castro. Quando houver
possibilidade de exploração das águas destas áreas no Semi-árido, vamos
assim fazê-lo. O que não se pode é extrapolar o exemplo do Piauí para o
Nordeste como um todo. Nos demais estados, as áreas sedimentares são por
demais esparsas não justificando aquela premissa inicial de exploração
intensa das águas do subsolo. Para se ter uma idéia do problema, 70% do
semi-árido encontram-se sobre um embasamento cristalino, no qual as
únicas possibilidades de acesso a água ocorrem através de fraturas nas
rochas cristalinas e nos aluviões próximos a rios e riachos. Em geral,
essas águas são poucas e extremamente salinas.
Paralelamente
à questão da água do subsolo da região fala-se muito, nos dias de hoje,
na polêmica transposição das águas do Rio São Francisco como
alternativa redentora para mitigar a sede dos nordestinos. Esta questão
precisa ser tratada com cuidado. As prioridades iniciais do Rio São
Francisco foram para gerar energia elétrica e irrigar. Isto deveria ser
encarado como uma questão de segurança nacional. O rio, por ter o seu
curso no Semi-árido inteiramente sobre regiões cristalinas, apresenta,
como de regra, afluentes com caráter temporário. Esse aspecto traz, como
conseqüência, uma redução de sua vazão no período de estiagem. Para
solucionar este problema, a Companhia Hidrelétrica do São Francisco -
CHESF construiu a represa de Sobradinho para manter a vazão do rio em
patamares adequados à geração de energia elétrica no complexo de Paulo
Afonso. Sabemos, no entanto, que Sobradinho tem operado em regimes
críticos - em janeiro de 1998 apresentava apenas 13% de sua capacidade
de acumulação - voltando à tona as ruínas das cidades que foram
submersas com o represamento de suas águas, significando dizer que o rio
praticamente havia voltado ao leito normal como antes de ser represado.
Somado a esse problema da vazão, é importante esclarecer que o uso da
água do São Francisco na irrigação é consuntivo, ou seja, a água não
retorna ao rio após ser levada até as culturas. Nesse quadro de penúria
hídrica, querer-se subtrair mais água do rio para abastecimento das
populações é, na melhor das hipóteses, uma ação inconseqüente.
Certamente não teremos água para atender a tudo isso (geração, irrigação
e abastecimento). Ação muito mais coerente, quanto a este aspecto,
seria a de se propiciar um melhor gerenciamento no uso das águas das
grandes represas do Nordeste. Orós, no Estado do Ceará, por exemplo, que
possui 2 bilhões de m³ de água, até hoje não justificou o porquê da sua
construção. As águas estão lá evaporando e não se conhece um projeto de
envergadura que justifique a sua condição de maior represa do Ceará. O
Estado da Paraíba saiu na frente na campanha de um bom gerenciamento das
águas de represas. Está para ser concluído o canal Redenção que irá
transportar as águas dos açudes Coremas/Mãe D’água para irrigação nas
várzeas de Souza. A represa Ribeiro Gonçalves, no Rio Grande do Norte,
que chega a ser até um pouco maior que Orós (possui 2,2 bilhões de m³)
está irrigando os municípios de Açu e Ipanguaçu e têm surgido vários
pólos interessantes de fruticultura na região. O bom uso das águas das
represas, ao nosso modo de entender, seria uma alternativa mais coerente
na atual conjuntura em detrimento da alternativa de transposição das
águas do São Francisco.
Outro
aspecto importante e merecedor de atenção como alternativa produtiva no
Semi-árido é o setor extrativista vegetal. Temos no Semi-árido uma
riqueza enorme de plantas adaptadas ao ambiente seco que poderiam ser
economicamente exploradas. Citamos alguns exemplos: como produtoras de
óleos, Catolé, Faveleira, Marmeleiro e Oiticica; de látex, Pinhão,
Maniçoba; de ceras, Carnaúba; de fibras, Bromeliaceas; medicinais,
Babosa, Juazeiro; frutíferas, Imbuzeiro e as forrageiras de um modo
geral. Temos um número de plantas enorme e praticamente não se conhece
nada sobre elas. Ações de governo, nesse sentido, seriam
importantíssimas.
A
pecuária talvez seja a mais importante das alternativas para a região
seca, principalmente por se tratar de uma região carente em proteína.
Ações realizadas com sucesso no Carirí paraibano, especificamente no
Município de Taperoá, têm demonstrado que o cultivo da palma e a fenação
de forrageiras resistentes à seca como é o caso do capim buffel e do
urocloa, aliados a criação de um gado igualmente resistente e de dupla
aptidão (carne e laticínios) a exemplo do Guzerá e do Sindi oriundos dos
desertos da Índia e de pequenos ruminantes melhorados geneticamente
(caprinos e ovinos), têm possibilitado a sobrevivência digna do homem na
região. A piscicultura é outra alternativa que poderá ser desenvolvida
através da utilização do potencial de açudes já instalado. Ações
governamentais que dêem suporte aos produtores, sejam eles pequenos ou
grandes, principalmente no setor creditício, são importantes e
oportunas.
No
que diz respeito à produção de grãos, entendemos que esta prática
deveria ser banida dos limites do Polígono das Secas. A instabilidade
climática da região é severa e torna a produção de grãos uma verdadeira
loteria. Não podemos expor o homem nordestino a situações vexatórias.
Estudos da EMBRAPA atestam que as colheitas seguras, nos limites do
Semi-árido, ocorrem em apenas 20% dos casos. Em 10 anos agrícolas,
apenas 2 apresentam colheitas com sucesso. Este percentual é muito baixo
se levarmos em consideração que a fome dos animais, aí incluído o
homem, ocorre em 100% dos casos. Um animal que não se alimenta hoje,
inexoravelmente amanhã estará com fome. Atualmente, basta a ocorrência
de uma única chuva para levar os governos estaduais a abarrotarem o
Semi-árido com sementes selecionadas, e acharem que esta prática é
sinônimo de boa administração. O que ocorre, na maioria das vezes, é que
outras chuvas demoram a ocorrer e todo o trabalho do nordestino no
preparo do solo e plantio é desperdiçado, e o que é pior, ele
normalmente não dispõe de outra alternativa que lhe garanta o sustento e
a vida. Muitas vezes termina por se alimentar de palma - alimento que é
fornecido aos animais - como única opção de alimento disponível, como
se verificou recentemente aquí em Pernambuco. Como produzir grãos numa
região com problemas climáticos tão sérios, se podemos produzir, e com
competência, a proteína animal em termos de carne, leite e peixes e, a
partir desses produtos, adquirir os grãos necessários à alimentação,
produzidos em outras localidades do país, com condições mais propícias
para assim fazê-lo ? É uma questão de se adequar uma política agrícola,
que efetivamente não temos, à uma realidade regional. Neste aspecto
somos pessimistas.
Entendemos
que os políticos, isso em regra geral, costumam fazer política com o
sofrimento e a miséria do povo. As alternativas de produção existem e
não são implementadas porque, na verdade, tem faltado aos
administradores públicos a indispensável vontade política para definir
ações estruturadoras no semi-árido. E tem faltado porque concretizá-la
significa contrariar interesses, muitas vezes situados na base de apoio
parlamentar do governo. É exatamente aí onde está a nossa verdadeira
seca.
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