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A
descrença nos partidos, traço comum nos protestos que se espalharam
pelo país nas últimas semanas, expõe os problemas do atual modelo
político brasileiro, mas também pode servir de estímulo para que surjam
novas formas de representatividade, na avaliação de especialistas
ouvidos pela BBC Brasil.
Segundo sociólogos e cientistas políticos, as legendas continuarão a
ser a base do sistema democrático brasileiro, mas agora têm também uma
oportunidade de se renovar e reorientar suas agendas para fazer frente
aos novos anseios da população.
Os pesquisadores avaliam que as manifestações podem abrir caminho
para mudanças no sistema político, com o surgimento de mecanismos que
permitam, por exemplo, as candidaturas avulsas - sem filiação
partidária, os chamados candidatos 'independentes' - assim como a
convocação de plebiscitos e o fortalecimento de entidades civis nas
diferentes instâncias do poder público.
Em meio à recente onda de protestos no Brasil, a insatisfação com os
partidos políticos têm sido recorrente nas redes sociais. Em São Paulo,
integrantes de partidos políticos presentes em uma das manifestações
chegaram a ser vítimas de agressões verbais e físicas. Muitos acabaram
expulsos do protesto e tiveram material de campanha rasgado e até
queimado.
"Pelas manifestações, ficou claro que a sociedade quer maior diálogo
com seus representantes, e não a extinção dos partidos políticos", diz à
BBC Brasil o cientista político Ricardo Ismael, da PUC-Rio.
"O movimento é apartidário, mas não antipartidário. Há uma
necessidade urgente de que os partidos interajam mais com a sociedade,
reorientando e renovando suas agendas e práticas", acrescentou.
Cidadania
Ismael lembra que as legendas são apenas "parte integrante" do regime
democrático, que não prescinde da "cidadania ativa" para funcionar.
"A pressão da sociedade também faz parte do sistema político", afirma
o acadêmico. "Cabe a ela cobrar maior empenho de seus representantes.
Democracia não se faz apenas com partidos."
O sociólogo Aldo Fornazieri, diretor da Fundação Escola de Sociologia
e Política de São Paulo (FESPSP), concorda. Para ele, no entanto, há
uma "crise de representação partidária", resultado de um distanciamento
crônico e histórico entre a sociedade e seus representantes.
"O poder está completamente distante da sociedade", avalia
Fornazieri. "É preciso urgentemente uma reforma política que preveja uma
maior participação popular na república."
Ele acrescenta que, nesse contexto, poderiam surgir novas formas de
representação política, como a eleição de candidatos independentes, sem
filiação partidária, por exemplo. "Eu simpatizo muito com essa ideia,
pois os partidos, por si só, não conseguem refletir os interesses de
todos os setores da sociedade."
Para o cientista político Paulo Baía, da UFRJ, os protestos mostraram
o ocaso do "antigo modelo de poder e de política dos partidos".
"Isso não significa, entretanto, que essa legendas vão deixar de
existir", observa. "Pelo contrário, elas vão ter de se abrir e se
oxigenar caso queiram sobreviver nos tempos atuais."
"As cenas que vimos contra integrantes de partidos políticos em
manifestações não era essencialmente antipartidária", avalia Baía. "Era
contra a tentativa de os partidos se aproveitarem politicamente de um
movimento como sempre fizeram ao longo da história desse país."
Temor
Já o cientista político Milton Lahuerta, professor de teoria política
e coordenador do laboratório de política e governo da Universidade
Estadual Paulista (Unesp) em Araraquara, vê com preocupação o que chama
de "desqualificação dos partidos" em meio à onda de indignação que varre
o país.
"Há um sentimento generalizado nas ruas de indignação que passa a
desqualificar partidos, o que abre o precedente para a ascensão de
líderes carismáticos", afirma. "A democracia não se beneficia da ruptura
da sociedade com suas instituições políticas."
Segundo Lahuerta, há um "domínio da lógica econômica sobre a lógica
política" que, acentuado durante a globalização, "ampliou o
distanciamento entre a sociedade e seus representantes".
"O tempo da política é lento, enquanto o da economia é acelerado,
especialmente com a interação dos mercados", analisa. "Isso cria
problemas, pois o processo político, que exige reflexão, não acompanha o
ritmo das demandas da população."
"Precisamos, na prática, de uma participação política mais
qualificada, uma vez que nossos políticos participam pouco da decisão de
questões fundamentais que impactam a sociedade como um todo",
acrescenta.
Lahuerta cita como exemplo dessa "desqualificação da política" as
divergências partidárias que impedem a aprovação de projetos importantes
para o país.
"Em vez de buscar soluções conjuntas, representantes de partidos
opostos preferem trocar acusações sobre a origem dos problemas. Isso
enfraquece o ideal da república, pois é um pensamento puramente
eleitoreiro", conclui o cientista político.