Berço
de alguns dos mais poderosos clãs políticos do país, o Nordeste é a
região que concentra o maior número de deputados com parentes na
política. Tanto proporcionalmente quanto em números absolutos. De cada
dez parlamentares que assumiram o mandato por um dos nove estados
nordestinos, seis têm algum parentesco com outras figuras do mundo político. A prática da política em família é comum a 97 dos 161 deputados da região.
São
nordestinos seis dos dez estados em que isso é mais frequente. A única
unidade federativa da região em que os parentes de políticos são minoria
é, curiosamente, o Maranhão, terra da família Sarney. Dos 20
parlamentares que assumiram o mandato pelo estado este ano, entre
titulares, suplentes e licenciados, nove (45%) entrelaçam os laços
políticos e familiares. Entre eles, o deputado Sarney Filho (PV-MA),
herdeiro do presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP).
Para o historiador José Octávio de Arruda Mello, professor aposentado
da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), o predomínio de determinadas
famílias na política nordestina mostra que o coronelismo está bem vivo
na região. Mas sob nova roupagem.
“Coronelismo ilustrado”
“Não tem mais o bico de
pena, do voto de cabresto, mas tem o sistema de aliança, que é mais
fluido. As alianças vão desde a base até em cima. É urbano. O coronel
tradicional tinha cartucheira atravessada no peito. O neocoronel é um
homem de cidade. São bacharéis, pessoas ilustradas, mas que sabem onde
está o peso da máquina, onde está a força do poder. Eles costumam
penetrar nas universidades. É um coronelismo ilustrado, mas é um
coronelismo”, considera.
O professor afirma que as grandes famílias se apropriaram do poder no
Brasil, principalmente nas regiões mais pobres, rateando a máquina
pública entre seus representantes. “Elas rateiam o poder, colocando seus
representantes nas posições decisórias. Elas estão também no
Judiciário. É o estamento, a comunidade de poder que não se renova. No
Legislativo isso é mais visível.”
Os três estados do país onde essa combinação é mais recorrente são a Paraíba,
o Rio Grande do Norte e Alagoas. Onze dos 12 representantes paraibanos
na Câmara vêm de família com tradição política. O mesmo se dá com oito
dos nove potiguares e com sete dos nove alagoanos. No Rio Grande do
Norte, aliás, mais da metade da bancada provém de apenas três grupos
familiares: os Alves, os Maia e os Rosado.
Diferente, mas nem tanto
O índice registrado na
bancada do Nordeste é quase o dobro dos 35% alcançados pela região onde o
sobrenome político parece ter menos influência, o Sul. Ainda assim,
mais de um terço dos representantes de Paraná, Santa Catarina e Rio
Grande do Sul têm familiares na política. Na região, o Paraná é a
unidade onde o poderio familiar se mostra mais presente na Câmara. De
seus 32 nomes na Câmara, 13 (41%) seguem ou abrem uma tradição familiar.
Entre os paranaenses novatos, destacam-se, por exemplo, os deputados
João Arruda (PMDB-PR), sobrinho do senador e ex-governador Roberto
Requião (PMDB-PR), e Zeca Dirceu (PT-PR), filho do ex-ministro e
ex-deputado José Dirceu (PT).
Na avaliação do cientista político Ricardo Costa de Oliveira, o
fenômeno do parentesco na política não se restringe a estados com
índices de desenvolvimento mais baixos. Um dos principais analistas da
política do Paraná – estado que ostenta o sexto maior Índice de
Desenvolvimento Humano (IDH) do país -, Oliveira afirma que a política
brasileira, de modo geral, está sendo dominada por famílias. Para mudar
esse rumo, o cientista político sugere a redução de privilégios para a
classe política. “O Paraná, mesmo com a imagem de que é um estado
moderno, de migração, tem famílias políticas e conexões de parentescos
muito antigas. Então, o Paraná não é diferente do Maranhão, de Alagoas e
outros estados”, afirma.
Meio a meio
Depois do Nordeste, o Norte é a
região mais representada por parlamentares com parentesco político. São,
ao todo, 33 nomes (praticamente metade de seus 68 representantes) nessa
condição. Na região, o destaque fica por conta das bancadas do Acre e
do Tocantins: 75% dos deputados dessas duas unidades são filhos, pais,
netos, primos, sobrinhos ou cônjuges de políticos. O terceiro lugar
regional fica por conta do Amazonas, que tem cinco de seus oito
representantes com elos políticos e familiares.
O Centro-Oeste também tem praticamente sua bancada formada por
parentes de políticos. Dos 50 deputados de Mato Grosso, Mato Grosso do
Sul, Goiás e Distrito Federal, 24 têm parentesco com outros
representantes populares. É o que ocorre com sete dos dez deputados que
assumiram por Mato Grosso este ano. Entre eles, está o deputado Júlio
Campos (DEM-MT), irmão do senador Jayme Campos (DEM-MT). Júlio ganhou
destaque nacional há duas semanas ao chamar o ministro Joaquim Barbosa,
do Supremo Tribunal Federal (STF), de “moreno escuro”, em reunião do
partido.
Dono da maior bancada da região, Goiás tem dez parentes de políticos
entre os 21 representantes do estado, entre suplentes, titulares e
licenciados. Mato Grosso do Sul tem metade de sua representação com
tradição familiar política. O Distrito Federal desponta como a unidade
da federação com menos deputados com parentesco político. Formada
basicamente por parlamentares que nasceram em outros estados do país, a
bancada abriga apenas três parentes entre seus 11 nomes. O sobrenome
mais conhecido, entre eles, é o da deputada Jaqueline Roriz (PMN), filha
do ex-senador e ex-governador Joaquim Roriz (PSC) e da ex-candidata ao
governo do DF Weslian Roriz, e irmã da deputada distrital Liliane Roriz.
Laços de família
A prática de fazer política em
família também alcança a região mais desenvolvida economicamente do
país. Dos 200 nomes do Sudeste na Câmara, 87 (44%) têm algum parentesco
político. Há até predomínio da bancada dos parentes em Minas Gerais. Dos
58 representantes mineiros, 31 (53%) vêm de berço político. O deputado
Bonifácio de Andrada (PSDB-MG), por exemplo, representa a quinta geração
no Congresso da família do Patriarca da Independência, José Bonifácio
de Andrada. O clã está no Parlamento federal há 190 anos.
Mais
à esquerda no espectro político-partidário, três irmãos também ensaiam
entrar para o rol das tradicionalíssimas famílias mineiras. O deputado
Weliton Prado (PT) é irmão dos estaduais Elismar Prado (PT) e Liza Prado
(PSB) e do vereador de Uberlândia Gilmar Prado (PT).
Em São Paulo, oito famílias têm representantes na Câmara e na
Assembleia Legislativa. Entre elas, duas estão fincadas nos três níveis
do Legislativo: o federal, o estadual e o municipal. O novato Alexandre
Leite (DEM-SP) é filho do vereador paulistano Milton Leite (DEM) e irmão
do deputado estadual Milton Leite Filho (DEM). Jilmar Tatto (PT-SP) é
irmão do vereador paulistano Arselino Tatto (PT-SP) e do deputado
estadual Enio Tatto (PT-SP). Na bancada paulista, os petistas só ficam
atrás dos tucanos em número de deputados com parentesco político: 17
ante 18.