segunda-feira, 12 de agosto de 2013

Quando a renovação não renova nada

As revoluções ou pequenas alternâncias de comando costumam pegar de surpresa as estruturas antigas, que esperavam se manter perpetuamente no poder. Mas o novo sempre é bom?
 
Diário da Manhã - Por Welliton Carlos
 
A política – de tempos em tempos – entra em crise. Muitas vezes os ciclos chegam ao fim e começam então novos. Quase sempre as mudanças ocorrem por iniciativa popular: o povo decide mudar de rumo e elege novidades.
As revoluções ou pequenas alternâncias de comando costumam pegar de surpresa as estruturas antigas, que esperavam se manter perpetuamente no poder. O que mais se torna evidente, entretanto, é a mesmice do discurso do ‘novo’ – um dos principais clichês das tentativas de mudança. Não raro, a história mostra que muitas vezes o discurso categorizado como antigo permanece atual – quando não é sequer verdadeiramente aplicado. Por sua vez, conforme exemplos da história, o ‘novo’ contempla ações pouco joviais e até muitas vezes retrógradas.
Sondagens de opinião pública recentes demonstraram um cenário de rejeição ao antigo. Tanto no Brasil quanto em Goiás impera uma interpretação: a população quer o ‘novo’ nas próximas eleições. A rejeição é evidente, mas que evidência temos, afinal, de que o novo é melhor do que o velho? Na última vez que o Brasil buscou o ‘novo’, os brasileiros escolheram Fernando Collor de Melo para presidir o País – escolha considerada por muitos como um dos maiores erros da história do País.
Collor foi o paradigma do novo. Logo na campanha eleitoral, desqualificou o que seria o ‘velho’. Aos brasileiros apresentou o Plano Brasil Novo, atacou simbolicamente carros do passado como o simpático Fusca e disseminou a ideia de que tudo no País estava velho e corrompido. Com uma equipe de ministros completamente sem expressão pública, mas todos novos, ele logo piorou a situação da política e economia brasileira a ponto de ser retirado do cargo de presidente. E Collor não era nada novo nas ideias: era um representante das elites, empresário, ex-prefeito biônico (escolhido pela ditadura) de Alagoas, filho de um ex-ministro e uma mente velha e adoecida dentro de um jovem corpo.
O novo costuma ser exigido quando o poder Executivo entra em crise, perde o controle dos anseios da massa ou se transforma em objeto de desejo das elites que não integram plenamente o poder. Foi assim em Roma, quando um grupo de conservadores optou por assassinar o já velho Júlio César – considerado antigo por Marco Bruto, político conservador e seu assassino.
Na Roma antiga, jovens imperadores quase sempre se caracterizaram por abusos. Nero, por exemplo, gostava mais de ser famoso do que de atuar na gestão.  Era acima de tudo imoral. Com o discurso de que era jovem e eterno, fez sexo com a mãe e depois mando matá-la. Vestiu-se de mulher e tocava a lira como um guitarrista em Woodstock. Aos 30 anos, se matou, deixando o exemplo de como não ser um administrador. Mas permanece a pergunta: Nero foi popular? Sim, um dos maiores de seu tempo.
O novo da política costuma se contrapor ao velho. No governo Sarney, que se encerrou em 1989, aconteceu exatamente isso. O candidato teoricamente mais forte, experiente e preparado era o líder peemedebista Ulisses Guimarães. Todavia, os cabelos brancos e a voz idosa e grave perderam no embate jovial com o lutador de karatê Collor de Melo.
Goiás
Dez anos depois, Goiás teria também um enfrentamento: a velha política de Iris Rezende (PMDB) e o ‘Tempo Novo’ de Marconi Perillo (PSDB) se enfrentaram nas urnas. Os resultados foram diferentes do cenário nacional.  As eleições goianas são citadas como paradigma do novo em inúmeros livros de estudos eleitorais. Trata-se de um dos argumentos de que o novo pode dar certo.
Logo que assumiu o governo de Goiás, Marconi temperou sua equipe de governo com gestores experientes e novatos. Realizou então uma ampla reforma administrativa e implantou programas sociais realmente novos e inéditos – caso do Renda Cidadã e Bolsa Universitária. A população aprovou as novas medidas e Perillo conseguiu outras duas reeleições. Hoje Goiás é bem diferente de antes da escolha do novo: o Estado foi o que mais cresceu nas últimas décadas, com recordes de industrialização e empregos. Nem sempre, portanto, o ‘novo’ significa fracasso de políticas econômicas ou uma gestão corrupta e amadora.
Onde está o novo?
No Brasil, após as manifestações de junho deste ano, a ex-candidata à presidenta e ex-senadora Marina Silva, antes PT e PV, ocupou rapidamente o espaço do ‘novo’. Mas como Collor de Melo, ela não é realmente nova.
Como senadora e ex-ministra do Meio Ambiente, Marina pouco fez de diferente do que políticos tradicionais. E como Fernando Collor, que criou o estranho partido PRN, ela inventou a legenda A Rede – tanto um como o outro pregam a ‘renovação’ nacional e foram criados á reboque de uma disputa eleitoral.
Marina não é sequer nova na vida pública. Ela atuou no governo federal e no Senado. O conjunto de projetos de lei que apresentou no Congresso Nacional não diferencia muito sua atuação, por exemplo, de Collor de Melo – hoje senador da República. Marina também não colocou em prática ações avançadas no meio ambiente quando foi ministra da primeira gestão de Lula. No geral, apenas cumpriu um papel dentro do sistema.
Entretanto, sua própria imagem de fragilidade e honestidade a coloca como a segunda colocada nas pesquisas de opinião pública, a aproximando da líder Dilma Rousseff. No caso, o novo é pouco diferente do velho representado por Dilma - com opiniões pessoais mais avançadas do que Marina em diversos segmentos, como religião, políticas para a mulher e economia, por exemplo.
Dificuldade
Goiás tem dificuldades em encontrar o novo. E o motivo é simples: usa-se a fórmula desgastada de se perpetuar no poder por meio de parentes. A maioria dos jovens políticos do Estado é composta de filhos de velhos políticos. Eles não simbolizam avanço. Ao contrário, demonstram o uso de uma fórmula antiga para a entrada na política: o uso da imagem e competência do pai. Assembleia Legislativa e Câmara Municipal de Goiânia estão repletas de ‘velhos’ na casa dos 20 e 30 anos. Em alguns casos, os filhos representam os pais que foram justamente afastados da política por conta de casos de corrupção ou prática de crimes.
Ao contrário da eleição presidencial, inexiste em Goiás uma figura que catalise a imagem do novo, fato que atordoa os grupos políticos. E o motivo parece ser exatamente a falta de interesse em realmente quem é novo e também representa o novo.
Quando Marconi Perillo surgiu no cenário político de Goiás, de fato, renovou o Estado: inseriu em Goiás uma agenda de eventos culturais (Fica, Canto da Primavera), criou um centro cultural, investiu na criação de faculdades, fortaleceu a economia com ações diferentes e inusitadas (como os incentivos arrojados do setor fiscal), lançou Goiás no exterior, atraindo investimentos. O ‘Tempo Novo’, assim, mudou a rota de políticas e ações do Estado.
Antes dele, apenas Mauro Borges havia chegado ao mesmo conceito de renovação de gerenciamento público. E Mauro Borges venceu as eleições de 1960 contra o conceito velho lançado pela própria família (Pedro Ludovico e Juca Ludovico). Todavia, ele não venceu as eleições como ‘novo’, mas como a continuidade do pai velho – que deu certo ao substituir a política da Goiás velha, de Caiados e Bulhões.
Mauro inaugurou no Brasil o primeiro governo planejado, com o estabelecimento de controle de receitas, despesas, proposição e cumprimento de metas. Governador de Goiás entre 1961 e 1964, optou por escolher técnicos e universitários para a gestão do Estado. Em uma época desglobalizada, foi até a China para tentar estreitar laços econômicos com o país que hoje mais celebra acordos comerciais com o Brasil e seu Estado.
Mauro venceu as eleições apoiado pelo pai, mas governou sem dar muitos ouvidos ao que ele dizia. Por isso foi inovador. Daí que na política, é melhor analisar as ideias e não a jovialidade do político ou sua pouco experiência com as coisas públicas. Existe uma grande diferença entre Mauro Borges e Collor de Melo, quando se busca na história  o que os dois fizeram em suas gestões.  A busca do ‘novo’ é um embuste do marketing político quando não consegue diferenciar o candidato ou fazê-lo uma real alternativa de poder.
Os riscos do apelo ao novo
O novo nem sempre se revela melhor do que o velho. Na história não faltam equívocos para atestar que muitas vezes erramos ao optar por novidades desconhecidas ou aventureiras
Fernando Collor de Melo
Venceu as eleições em 1989 como o ‘novo’. Mas foi prefeito biônico de Alagoas durante a ditadura. Criou um partido ‘novo’ apenas para disputar as eleições. Disse que iria renovar o Brasil. Lutava caratê, fazia cooper e gostava de se mostrar radical. Na administração pública, entretanto, foi a maior negação da história do País.
Adolf Hitler
O líder nazista era um contraponto ao velho líder alemão Hindenburg. Hitler assumiu o comando da nação, aos 40 anos, mas antes já havia liderado inúmeras ações políticas no País.  Implementou ações consideradas ‘novas’ na política, como o congelamento de preços e a renovação dos símbolos da cultura alemã.
Calígula
O terceiro imperador de Roma entrou para a história como péssimo gestor, conhecido pela  natureza extravagante e cruel. Foi assassinado pela guarda pretoriana aos 28 anos. Integra um rol de jovens imperadores que atrapalharam o desenvolvimento do Império Romano, cujo maior nome é Nero. Foi considerado um tirano demente, cuja maior vocação era participar de orgias e se embebedar.
Jânio Quadros
Não chegou jovem no poder, mas aos 47 anos. Apresentou, entretanto, a imagem de novidade nas disputas eleitorais de 1960. Ficou poucos meses no cargo e renunciou – em um dos episódios mais controversos da política brasileira. Ganhou as eleições com o mote “varre, varre vassourinha, varre a corrupção”. Teve apoio da UDN – a legenda que reunia os filhos do coronelismo. Com o fim da política Café com Leite e a República de 1930, os filhos dos coronéis migraram para as capitais e passaram a integrar a UDN. A legenda jamais deixou o conservadorismo e influenciou Quadros, cujo governo é lembrado por impedir briga de galo.

terça-feira, 6 de agosto de 2013

Padre Cícero, entre a política e a religião

A vida do mais amado e controvertido mito religioso do sertão que, para muitos, foi um santo; para outros, um “coronel de batina”
Por José Paulo Borges
Tudo começou com um sonho de um jovem pároco sertanejo de menos de 30 anos de idade, estatura pequena, pele branca, cabelos claros e inacreditáveis olhos azuis. No sonho, o próprio Jesus Cristo, rodeado pelos 12 apóstolos, surge ao padre e conta sua mágoa com a humanidade. Depois, aponta para um punhado de nordestinos maltrapilhos e descalços, provavelmente fugidos da seca, e ordena ao padre: “Quanto a ti, toma conta deles!” Impressionado, o padre decide se fixar definitivamente em Joaseiro (grafia utilizada à época), no sertão do Cariri, interior do Ceará – na época, um arraial miserável com 40 ou 60 casas de taipa cobertas de palha, habitado por uns “cabras” desordeiros e desregrados. Era 1872. Com o tempo, o trabalho do padre junto àquele povo foi dando resultado, posto que a todos se dedicava. E, aos poucos, Joaseiro foi se transformando num povoado devoto e próspero.
Há quem acredite que Cícero Romão Batista, o padre do sonho, até hoje zela não só por Juazeiro do Norte, situada a cerca de 530 quilômetros de Fortaleza, com pouco mais de 250 mil habitantes – cidade que ele fundou –, como por Crato (121 mil habitantes) –, que o viu nascer em 1844. E uma imagem sua, de 27 metros de altura, se impõe, fincada no alto da serra do Catolé, na parte denominada de Horto pela população desde o final do século XIX, em alusão ao Horto das Oliveiras, local onde Jesus Cristo teria passado suas últimas horas antes de ser preso e condenado à morte na cruz. Era no Horto que Cícero costumava descansar.
A vida do “Padim Ciço” dos romeiros e fiéis, mais amado e controvertido mito religioso do sertão – santo para uns, “coronel de batina” para outros –, pode ser dividida em dois atos distintos. No primeiro, as luzes se dirigem para o Cícero religioso e mostram cenas como as do pároco amargurado com o sofrimento de seu rebanho com a seca, o “milagre” da transformação em sangue da hóstia recebida pela beata Maria de Araújo durante a comunhão, os conflitos com o bispado cearense desencadeados pelo fenômeno, a proibição de rezar missa e, por fim, sua aclamação ainda em vida como santo pelos sertanejos.
No segundo ato, as luzes voltam-se para o Cícero político, em uma carreira que abraçou após ser proibido de ordenar. Em cena estão o personagem que foi prefeito de Juazeiro por quase 20 anos, sua eleição a vice-presidente (o equivalente a vice-governador) do estado do Ceará, o apadrinhamento a um exército de jagunços numa revolução armada que levou à derrubada do governo local e a aproximação com Lampião, de quem buscava apoio para combater a Coluna Prestes. Como se não bastasse, já perto do fim da vida, Cícero foi eleito deputado federal e ainda encontrou tempo para conceber um decálogo com preceitos ecológicos (leia o quadro) que, já naquela época, buscavam preservar a caatinga.
O religioso
“O nome do padre Cícero / ninguém jamais manchará, / porque a fé dos romeiros / viva permanecerá, / pois nos corações dos seus / foi ele um santo de Deus / é e pra sempre será.” Tema de incontáveis folhetos de cordel espalhados pelas feiras sertão afora, Cícero Romão Batista provavelmente passaria a vida inteira como mais um obscuro e anônimo pároco de aldeia. Afinal, nada de extraordinário acontecera a ele desde que chegara ao povoado. Nada, até aquela madrugada de sexta-feira, 6 de março de 1889. Durante a comunhão, bem cedo na madrugada, após uma noite de vigília e orações com outros fiéis na capela de Nossa Senhora das Dores, ao receber a hóstia pelas mãos de padre Cícero, a beata Maria de Araújo sentiu um gosto de sangue. Só aí notou que metade da hóstia consagrada (a outra ela havia engolido) sangrara ao contato com sua boca. Cícero guardou no sacrário o pano manchado de sangue entregue pela beata, e ordenou a ela que se mantivesse em silêncio.
O fenômeno se repetiu várias vezes na Quaresma até o dia em que a Igreja comemora a Ascensão de Cristo. Mesmo assim, Cícero manteve segredo, que durou até o dia em que monsenhor Francisco Rodrigues Monteiro, figura de grande prestígio, chamou o povo do Crato para uma peregrinação ao povoado vizinho de Joaseiro. Na capela, diante de 3 mil atônitos fiéis, mostrou o pano dizendo que o tecido estava impregnado com o sangue de Cristo. Médicos e autoridades foram checar o fenômeno e não encontraram nenhuma explicação natural. Joaseiro rapidamente se tornou um centro de romaria e devoção. De todos os lados, vinham pessoas para ver a beata e adorar o pano manchado de sangue.
Descontentes com a repercussão dos acontecimentos, as autoridades eclesiásticas do Ceará acusaram Cícero de heresia, proibiram o culto ao pano ensanguentado e impuseram uma retratação ao padre. O pároco viajou então a Roma, onde teve uma audiência com o Papa Leão XII. Absolvido, voltou com a permissão de continuar celebrando missa. Porém, dom Joaquim Vieira, bispo do Ceará, determinou que, enquanto não viesse de Roma o decreto de reabilitação, o sacerdote não poderia celebrar missa nem ministrar os sacramentos ou fazer sermões. De nada adiantou a proibição. Naqueles confins dominados por latifundiários e cangaceiros, onde vicejava uma religiosidade espontânea e mística, o mito do “Santo de Joaseiro” já estava consolidado.
Romeiros famintos e sedentos debandavam a Joaseiro vindos de todos os cantos do sertão, e Cícero atendia a todos. Além de orações e bênçãos, o padre encontrava soluções para tudo, de questões espirituais a atividades econômicas, de doenças a desavenças. “Em cada casa, um oratório; em cada quintal, uma oficina”, pregava com insistência. Dessa maneira conquistou o respeito daquela gente, que lhe atribuía qualidades de santo e profeta. Paralelamente, agindo com muita austeridade, cuidou de moralizar os costumes, acabando com os excessos de bebida e com a prostituição.
Agora, Cícero não era apenas padre, mas “padrinho” de toda aquela gente que chegava não apenas para pedir ajuda e que, mesmo sendo pobre, sempre trazia um regalo, uma esmola e um pouco de dinheiro, que deixavam sob a guarda do “Padim”. Alguns ofereciam animais, joias e até propriedades. Tudo para morar na terra santa de Joaseiro, sob a proteção do padre santo. Com um pouco de um e de outro, trazido pelos romeiros, Cícero constituiu um patrimônio respeitável e tornou-se o maior proprietário de terras da região.
Para alguns, já era um “coronel”, talvez o mais poderoso de todo o Cariri. Mas, para os romeiros, jamais deixou de ser o bom e venerável Padim Ciço, que sempre os protegia em suas necessidades, comprando terras e arrendando-as a eles, romeiros, para que tocassem suas vidas. E, assim, as coisas fluíam em Joaseiro, sem milagres e sem mistérios.
O político
Proibido de exercer as funções eclesiásticas, estimulado pelo seu prestígio ingressou na vida política. Com a elevação do povoado a município, foi nomeado pelo governador do Ceará, Nogueira Acioli, primeiro prefeito de Jua­zeiro. Como prefeito, estimulou a agricultura de subsistência, levou para o campo modernos descaroçadores de algodão e conseguiu que os trilhos da Rede de Viação Cearense chegassem ao Cariri. “Entrei na política a contragosto, porque não teve jeito”, disse certa vez.
Segundo o que corria à época, padre Cícero era oficialmente o prefeito, porém, quem de fato administrava Juazeiro era o doutor Floro Bartolomeu da Costa, espécie de eminência política do religioso. Em 1914, a Assembleia Legislativa do Ceará reuniu-se e, por maioria, reconheceu padre Cícero como 1º vice-governador do estado. Também foi eleito deputado federal. Ele não assumiu esses cargos “para não abandonar os fiéis”.
Em 18 de fevereiro de 1931, o jornalista Paulo Sarasate, do jornal O povo, de Fortaleza, entrevistou padre Cícero, na época com 87 anos, mas relativamente forte e falando com fluência. Ardoroso inimigo de concessões estrangeiras, declarou: “Em vez de se salvar o País com impostos e empréstimos, os dirigentes da pátria devem criar um novo ministério, destinado especialmente a desenvolver as nossas riquezas naturais, as grandes riquezas que Deus nos deu. Faça-se, pois, o Ministério das Minas e Florestas. É assim que se deve crescer, e não vendendo o país aos estrangeiros. Eles comem as bananas e nos atiram as cascas.” E continuou: “E, se for possível, criemos também o Ministério de Culto, Ensino, Ciência, Higiene e Bons Costumes, para melhor realizar a reconstrução moral do país.”
Padre Cícero foi a figura central de um movimento violento que fez muitas mortes, ocorrido no Ceará entre 1913 e 1914, chamado “Sedição de Juazeiro”. Com o pretexto de acabar com o fanatismo no sertão do Cariri, o então presidente do estado, Franco Rabelo, entrou em rota de colisão com o padre, exonerando-o do cargo de prefeito. Tropas enviadas por Rabelo ao Crato tentaram invadir Juazeiro do Norte, em combates que duraram um mês. Mas Juazeiro resistiu com uma força composta por beatos e cangaceiros fiéis a Cícero, comandadas por Floro Bartolomeu. O “Batalhão Patriótico”, como ficou conhecido, chegou a invadir Fortaleza em março de 1914, saqueando cidades pelo caminho. Naquele mês, o governo federal decretou intervenção no estado e destituiu o governador Rabelo, acabando com guerra.
Críticos mais contundentes afirmam que padre Cícero foi padrinho, amigo e protetor de Lampião. Tais vozes garantem que, em 1926, ele providenciou que o cangaceiro fosse nomeado capitão pelas autoridades federais, com o objetivo de combater a Coluna Prestes. Os cangaceiros, sabe-se, tinham forte religiosidade. Coincidência ou não, seu declínio político veio com a decadência do cangaço.
Romeiros, ontem e hoje 
Por causa das dores provocadas pela artrose em um dos joelhos, Terezinha de Jesus Alencar, de 74 anos, não fez em setembro, como tem acontecido nos últimos 20 anos, pelo menos, a caminhada a pé da Matriz de Nossa Senhora das Dores, no centro de Juazeiro do Norte, até o alto do morro do Horto – onde está a imagem de padre Cícero – juntamente com um grupo de romeiros de Petrolina, cidade do sertão pernambucano onde mora. “Fui de carro, mas mesmo assim fiquei feliz por participar de mais uma romaria”, conta. “Na verdade, já estou me preparando para o dia em que vou ter que ficar em casa, longe das romarias. Mas isso não tem importância, pois romaria a Juazeiro é uma coisa que está dentro do coração da gente. Ninguém tira essa alegria.”
Terezinha de Jesus é uma dentre os 2,5 milhões de pessoas que todos os anos chegam a Juazeiro em romarias. Já vão longe os tempos em que chegavam a pé ou no lombo de jumento. Muitos dos romeiros atualmente viajam em ônibus com ar-condicionado, ou chegam de avião. Neste caso, antes do desembarque no aeroporto da cidade, se encantam, olhando pela janela, com a estátua de padre Cícero reverberando ao Sol, no alto da Colina do Horto. Já em terra firme – embora predominem pousadas com preços variados –, podem optar por hotéis dotados de confortos inimagináveis pelos primeiros romeiros.
Naquela época, para serem recebidos por padre Cícero, os romeiros tinham de passar pelo crivo implacável da beata Mocinha. A maioria esperava de joelhos, rezando, a hora de ser chamado pela beata. Sem a interferência de Mocinha, que tudo podia e tudo mandava sob o teto que abrigava padre Cícero, nada se conseguia. Um ou outro romeiro protestava contra a demora, mas todos não viam a hora de beijar as mãos milagrosas, para eles, do “meu padrinho”.
Hoje, entre uma e outra missa, os romeiros podem passear pelo metrô de superfície da cidade, deliciar-se em um restaurante com um prato de macaxeira cozida na manteiga ou assistir gratuitamente, no Centro Cultural Banco do Nordeste, a montagens teatrais ousadas, como “Navalha na carne” do autor “maldito” Plínio Marcos

Fé: Em nome do poder


Os coroné, ainda tá aí!!


Reforma política divide políticos!


Fabiano Costa, Felipe Néri, Nathalia Passarinho, Renan Ramalho e Vitor Matos Do G1, em Brasília

geral_respostas_reforma_política (Foto: Editoria de Arte / G1)
Os impasses que, historicamente, levaram diversas propostas de mudanças no sistema político e eleitoral brasileiro para a gaveta já dividem os deputados federais indicados no dia 10 de julho para elaborar, em três meses, uma sugestão de reforma política. Enquete feita pelo G1 com 13 dos 14 parlamentares que irão integrar o grupo de trabalho aponta que temas como o financiamento de campanha e a forma de escolha de deputados e vereadores devem gerar disputas e discussões no Congresso Nacional.

O comitê da reforma política, criado na última quarta-feira (10), terá a tarefa de apresentar sugestões de projetos que podem modificar as regras das campanhas eleitorais, a maneira de votar, a forma de representação e a atuação dos políticos eleitos para o parlamento.
Na enquete, o G1 perguntou aos deputados do colegiado o que achavam sobre sete pautas: 1) financiamento de campanha; 2) reeleição para mandatos no Executivo; 3) sistema eleitoral para o Legislativo; 4) coligações entre partidos; 5) suplência no Senado; 6) voto secreto no Congresso; e 7) a forma de consulta à população, se por plebiscito ou referendo.
Apenas Cândido Vaccarezza (PT-SP) não respondeu ao questionário. Ele disse nesta segunda-feira (15) que não quer responder às perguntas.
Dos sete assuntos questionados na consulta, o modelo para financiar as campanhas é o que registrou a maior divergência entre os deputados do colegiado. Seis parlamentares se disseram favoráveis ao financiamento exclusivamente público.
"O meu ponto de vista pessoal é favorável ao financiamento público de campanha, porque acho que o grande vício do sistema eleitoral brasileiro é o poder excessivo do fator econômico no resultado das eleições”, ressaltou o deputado Leonardo Gadelha (PSC-PB), um dos que apoiam que as campanhas sejam financiadas apenas com dinheiro dos cofres públicos.
O financiamento público pode funcionar como um caixa 3"
Júlio Delgado (PSB-MG), ao rejeitar possibilidade de financiamento exclusivamente público
Na enquete, outros cinco parlamentares defenderam a manutenção do modelo atual, que permite o uso de recursos públicos – do fundo partidário – e privado – obtidos com doações de pessoas físicas e empresas – para, por exemplo, bancar gastos com propaganda, comícios e viagens.
"Eu tinha muita inclinação para financiamento público, mas no sistema que temos não vai funcionar. Não temos como controlar a quantidade de recursos que cada partido recebe nem como evitar que a pessoa que recebe financiamento público não vai receber recursos privados. O financiamento público pode funcionar como um caixa 3”, enfatizou o deputado Júlio Delgado (PSB-MG).
No mesmo ponto da consulta, o deputado Sandro Alex (PPS-PR) defendeu somente doação privada de pessoas físicas. Já a líder da bancada do PC do B, Manuela D’Ávila (RS), prefere verba pública e privada somente de pessoas físicas, ou seja, vedando doações por empresas.
A consulta elaborada pelo G1 identificou apenas um ponto de consenso entre os parlamentares ouvidos pela reportagem. Para 13 deputados que participaram da enquete, o atual sistema de escolha dos deputados e vereadores deve ser modificado. O ponto de convergência, no entanto, acaba aí.
Na hora de definir a alternativa para substituir o modelo em vigor, o grupo se mostra rachado. Há parlamentares que apoiam o sistema proporcional com lista flexível, outros se mostram a favor da lista fechada definida pelo partido e também há defensores do sistema distrital, onde o eleitor vota no próprio candidato.
Atualmente, o sistema em vigor é o proporcional com lista aberta, pelo qual é possível votar tanto no candidato quanto na legenda, e um quociente eleitoral é formado, definindo quais partidos ou coligações têm direito de ocupar as vagas em disputa. Com base nessa conta, o mais bem colocado de cada partido entra.
Grupo defende mudar sistema de eleição para vereador e deputado, extinguir coligações e acabar com o voto secreto para cassações
Simulação
Com as opiniões adiantadas ao G1 por 13 integrantes do grupo de trabalho da reforma política, é possível se ter uma ideia do conjunto de projetos que podem ser apresentados ao final das atividades do comitê.
Segundo a enquete, além da mudança no sistema de votação para vereadores e deputados, o colegiado deve recomendar a extinção das coligações partidárias. Dez dos 13 deputados ouvidos pelo G1 se disseram a favor da modificação.
Outro ponto com adesão da maior parte dos congressistas do grupo é de pôr fim ao voto secreto nas cassações de deputados e senadores. Doze dos 13 parlamentares do colegiado querem que as votações para perda de mandato sejam abertas.
Os integrantes do colegiado ainda manifestaram a inclinação para alterar as atuais regras de suplência no Senado. Apenas dois dos 13 parlamentares foram contrários à mudança. Outros dois têm posições indefinidas.
Disputa interna
Idealizado como alternativa à proposta rejeitada pelos partidos de realização de um plebiscito para promover mudanças no sistema político e eleitoral, o recém-criado grupo de trabalho da reforma política terá de administrar uma crise interna antes mesmo de iniciar suas atividades.
Na última quarta (10), dia em que o comitê foi criado, o presidente da Câmara dos Deputados, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), teve de suspender a instalação do colegiado por conta de uma divergência entre parlamentares petistas.
A liderança do PT havia avalizado a presença de Henrique Fontana, que relatou nos últimos dois anos projetos de reforma política, no grupo de trabalho. Porém, Alves surpreendeu os petistas na quarta ao indicar Cândido Vaccarezza para a presidência do colegiado.
Nesta segunda, Henrique Alves disse que o partido poderá ficar com dois representantes. Alves justificou a mudança de sua própria orientação ao fato de o PT possuir a maior bancada da Câmara. De acordo com o peemedebista, as demais bancadas da Casa terão apenas uma vaga no grupo.
O deputado do Rio Grande do Norte também anunciou nesta segunda que convidou o deputado Vaccarezza para ser o coordenador do colegiado que irá apresentar, em três meses, sugestões de mudanças no sistema político e eleitoral brasileiro. A confirmação do parlamentar paulista, entretanto, ainda depende do aval da cúpula petista. Na semana passada, Henrique Fontana havia sinalizado que poderia deixar o comitê caso o correligionário fosse mantido na coordenação do colegiado.
Incumbido de tentar administrar a divergência entre os dois parlamentares petistas, o líder do PT, José Guimarães, disse ao G1 nesta segunda, antes da reunião dos coordenadores da bancada, que a “tendência” é que Fontana e Vaccarezza sejam mantidos no grupo. “A tendência é manter os dois. Como é que o presidente da Casa diz isso e nós vamos dizer não”, ponderou José Guimarães.
O deputado cearense relatou ainda que a sigla montou uma espécie de “força-tarefa” para tentar convencer Fontana a atuar no colegiado mesmo sob a presidência de Vaccarezza.

domingo, 4 de agosto de 2013

Nepotismo e Capitanias Hereditárias na política brasileira

Jornal do BrasilLucas Altino *

A sucessão política entre parentes é prática comum no contexto brasileiro


O rumor de que o governador Sérgio Cabral renunciará ao cargo no início de 2014, abrindo espaços para a candidatura de seu filho, Marco Antônio Cabral, a deputado, ganhou mais força na última semana, após o presidente do PMDB, Jorge Picciani, confirmar a versão especulada na imprensa. Apesar de Cabral não assumir publicamente, a hipótese parece cada vez mais provável, ainda mais se considerando a queda vertiginosa da popularidade do atual governador. O apadrinhamento político, principalmente em casos de parentes, é uma das portas de entrada mais comuns nos bastidores políticos do Brasil. Assim, a renúncia de Cabral se explica pela “Lei da Inelegibilidade”, que impede a candidatura de cônjuges e parentes de presidente da república, governador de estado e prefeito,
Confirmada a continuidade política na linha hereditária, a família Cabral passa a se configurar como mais uma das muitas famílias que possuem presença marcante na política brasileira. Esta prática é tradicional na história do Brasil, recorrente desde os tempos das Capitanias Hereditárias. Marco Antônio, que, ainda possui em seu sobrenome o Neves de Tancredo, primeiro presidente eleito pós-ditadura, mas que faleceu antes de tomar posse, poderá representar a terceira geração de políticos dos Cabral.  O avô, Sérgio Cabral Santos, foi vereador do Rio de Janeiro entre 1983 e 1993, época em que o filho começou a ascender no cenário. Após participar da juventude do PMDB, Sérgio Cabral Filho assumiu a diretoria de Operações da Turisrio, no governo de Moreira Franco, e elegeu-se deputado estadual em 1990. Reeleito em 1994 e 1998, ele ainda foi senador até concorrer ao governo do Rio de Janeiro em 2006.
Ironicamente, o crescimento do atual governador entre cargos públicos do estado contou com a contribuição de outra família política do Rio de Janeiro, que, agora, é desafeta e opositora da base de governo do PMDB. Em 2006, quando foi eleito para o primeiro mandato do atual cargo que ocupa, Sérgio Cabral teve o apoio, no segundo turno, de Anthony e Rosinha Garotinho, os dois governadores antecessores.  A família Garotinho, que possui um curral eleitoral fortíssimo em Campos, cidade do interior do estado, conta com mais um sucessor na carreira política, a filha do casal e deputada estadual Clarissa Garotinho.
Tradição desde as Capitanias Hereditárias
A história da dominação de famílias políticas em cargos públicos, entre executivo, legislativo e judiciário, está na raiz da construção do Brasil, desde a época colonial.  Durante as Capitanias Hereditárias, sistema de administração territorial criado por D. João III, certos governantes tiveram seus sobrenomes prosseguindo na política brasileira por muitos anos. É o caso dos Albuquerque Maranhão, que teve em Afonso o primeiro da família a assumir um posto, quando foi presidente das províncias de Pernambuco e Paraíba até 1836, sucedendo-se por outros dez parentes, até Ney de Albuquerque Maranhão, o último da linhagem, que terminou seu último mandado, como senador, em 1995.
A distribuição de províncias a poucos grupos, durante as Capitanias Hereditárias, era prática muito comum. Somente a família Alencar, por exemplo, esteve à frente de três províncias, com Tristão Gonçalves no Ceará, sendo sucedido por José Martiniano e Tristão Araripe no Rio Grande do Sul e Pará. O domínio se estendeu até o período da ditadura militar, quando Humberto de Alencar Castello Branco assumiu a presidência do Brasil, após o golpe de estado em 1964.
A família que, durante a história do Brasil, se perpetuou no poder por mais tempo, passando por seis gerações, foi a Andrada. A partir de José Bonifácio, patriarca da independência, outros 22 Andradas figuraram no cenário político do país, com nomes atuantes até hoje. Como José Bonifácio Tamm, deputado federal de Minas Gerais, que mantém um mandato parlamentar há 56 anos ininterruptos, tornando-se em um dos parlamentares mais experimentados do mundo.  
Nordeste e Rio, currais eleitorais
Tradicionalmente o Nordeste, talvez por uma cultura coronelista, constitui-se como um polo de dominação patriarcal político. José Sarney e Antônio Magalhães são duas figuras que simbolizam esta prática, com seus sobrenomes presentes em cargos públicos até hoje. Sarney, que presidiu o Senado Federal até 2012, mantém um amplo curral eleitoral no Maranhão, eclodindo inclusive em casos de nepotismo, com a contratação de parentes para cargos de gabinete. Atualmente, seus filhos, José Sarney Filho e Roseana Sarney, ocupam a pasta do Ministério do Meio Ambiente e o governo do estado do Maranhão, respectivamente.
Já Antônio Carlos Magalhães, falecido em 2007, foi senador, ministro das Telecomunicações e Governador da Bahia. Seus dois filhos e mais um neto prosseguiram na política. Luís Eduardo Magalhães foi deputado federal e estadual pela Bahia, mas faleceu 1998. Atualmente, ACM Júnior é senador pela Bahia e ACM Neto é prefeito de Salvador. Outras três famílias também possuem muita força, hoje em dia, no Nordeste. O alagoano Renan Calheiros é o presidente do Senado Federal. Seu irmão, Olavo, foi deputado federal de Alagoas até 2011. Já Renildo, é prefeito de Olinda, em Pernambuco.
Da família Arraes, vieram dois governadores de Pernambuco, Miguel Arraes, até 1999, e Eduardo Campos, o atual mandatário. Já a famíla Alves é uma das mais influentes do Rio Grande do Norte. Agnelo Alves foi senador e prefeito por dois mandatos do município de Parnamirim ,até 2008. Seu filho, Carlos Eduardo, é o atual prefeito de Natal e seu sobrinho, Henrique Alves, é deputado federal e presidente da Câmara.
No Rio de Janeiro, muitas famílias políticas se perpetuam no poder até hoje. Além dos Cabral e Garotinho, os Bolssonaro, Picciani, Maia, Alencar e Brizola representam uma força eleitoral carioca. Jair Bolssonaro é uma das figuras mais polêmicas entre os políticos brasileiros. Deputado federal, ele ficou famoso por defender interesses militares e conservadores. Seus filhos, Flávio e Carlos, são, respectivamente, deputado estadual e vereador.
Jorge Picciani, ex deputado estadual e atual presidente do PMDB, abriu espaço para que seus filhos, Leonardo e Rafael, seguissem na política. Enquanto o primeiro está no seu terceiro mandato como deputado federal, o segundo ocupa o cargo de secretário de Estado de Habitação. Do lado da oposição, o deputado federal Rodrigo Maia segue os passos do pai, o ex prefeito e atual vereador Cesar Maia. Outro sucessor atuando na oposição é o deputado federal Brizola Neto, quem mantém a linhagem de seu avô, Leonel Brizola, ex-governador do Rio de Janeiro.
*Do Projeto de Estágio do Jornal do Brasil