segunda-feira, 12 de agosto de 2013

Quando a renovação não renova nada

As revoluções ou pequenas alternâncias de comando costumam pegar de surpresa as estruturas antigas, que esperavam se manter perpetuamente no poder. Mas o novo sempre é bom?
 
Diário da Manhã - Por Welliton Carlos
 
A política – de tempos em tempos – entra em crise. Muitas vezes os ciclos chegam ao fim e começam então novos. Quase sempre as mudanças ocorrem por iniciativa popular: o povo decide mudar de rumo e elege novidades.
As revoluções ou pequenas alternâncias de comando costumam pegar de surpresa as estruturas antigas, que esperavam se manter perpetuamente no poder. O que mais se torna evidente, entretanto, é a mesmice do discurso do ‘novo’ – um dos principais clichês das tentativas de mudança. Não raro, a história mostra que muitas vezes o discurso categorizado como antigo permanece atual – quando não é sequer verdadeiramente aplicado. Por sua vez, conforme exemplos da história, o ‘novo’ contempla ações pouco joviais e até muitas vezes retrógradas.
Sondagens de opinião pública recentes demonstraram um cenário de rejeição ao antigo. Tanto no Brasil quanto em Goiás impera uma interpretação: a população quer o ‘novo’ nas próximas eleições. A rejeição é evidente, mas que evidência temos, afinal, de que o novo é melhor do que o velho? Na última vez que o Brasil buscou o ‘novo’, os brasileiros escolheram Fernando Collor de Melo para presidir o País – escolha considerada por muitos como um dos maiores erros da história do País.
Collor foi o paradigma do novo. Logo na campanha eleitoral, desqualificou o que seria o ‘velho’. Aos brasileiros apresentou o Plano Brasil Novo, atacou simbolicamente carros do passado como o simpático Fusca e disseminou a ideia de que tudo no País estava velho e corrompido. Com uma equipe de ministros completamente sem expressão pública, mas todos novos, ele logo piorou a situação da política e economia brasileira a ponto de ser retirado do cargo de presidente. E Collor não era nada novo nas ideias: era um representante das elites, empresário, ex-prefeito biônico (escolhido pela ditadura) de Alagoas, filho de um ex-ministro e uma mente velha e adoecida dentro de um jovem corpo.
O novo costuma ser exigido quando o poder Executivo entra em crise, perde o controle dos anseios da massa ou se transforma em objeto de desejo das elites que não integram plenamente o poder. Foi assim em Roma, quando um grupo de conservadores optou por assassinar o já velho Júlio César – considerado antigo por Marco Bruto, político conservador e seu assassino.
Na Roma antiga, jovens imperadores quase sempre se caracterizaram por abusos. Nero, por exemplo, gostava mais de ser famoso do que de atuar na gestão.  Era acima de tudo imoral. Com o discurso de que era jovem e eterno, fez sexo com a mãe e depois mando matá-la. Vestiu-se de mulher e tocava a lira como um guitarrista em Woodstock. Aos 30 anos, se matou, deixando o exemplo de como não ser um administrador. Mas permanece a pergunta: Nero foi popular? Sim, um dos maiores de seu tempo.
O novo da política costuma se contrapor ao velho. No governo Sarney, que se encerrou em 1989, aconteceu exatamente isso. O candidato teoricamente mais forte, experiente e preparado era o líder peemedebista Ulisses Guimarães. Todavia, os cabelos brancos e a voz idosa e grave perderam no embate jovial com o lutador de karatê Collor de Melo.
Goiás
Dez anos depois, Goiás teria também um enfrentamento: a velha política de Iris Rezende (PMDB) e o ‘Tempo Novo’ de Marconi Perillo (PSDB) se enfrentaram nas urnas. Os resultados foram diferentes do cenário nacional.  As eleições goianas são citadas como paradigma do novo em inúmeros livros de estudos eleitorais. Trata-se de um dos argumentos de que o novo pode dar certo.
Logo que assumiu o governo de Goiás, Marconi temperou sua equipe de governo com gestores experientes e novatos. Realizou então uma ampla reforma administrativa e implantou programas sociais realmente novos e inéditos – caso do Renda Cidadã e Bolsa Universitária. A população aprovou as novas medidas e Perillo conseguiu outras duas reeleições. Hoje Goiás é bem diferente de antes da escolha do novo: o Estado foi o que mais cresceu nas últimas décadas, com recordes de industrialização e empregos. Nem sempre, portanto, o ‘novo’ significa fracasso de políticas econômicas ou uma gestão corrupta e amadora.
Onde está o novo?
No Brasil, após as manifestações de junho deste ano, a ex-candidata à presidenta e ex-senadora Marina Silva, antes PT e PV, ocupou rapidamente o espaço do ‘novo’. Mas como Collor de Melo, ela não é realmente nova.
Como senadora e ex-ministra do Meio Ambiente, Marina pouco fez de diferente do que políticos tradicionais. E como Fernando Collor, que criou o estranho partido PRN, ela inventou a legenda A Rede – tanto um como o outro pregam a ‘renovação’ nacional e foram criados á reboque de uma disputa eleitoral.
Marina não é sequer nova na vida pública. Ela atuou no governo federal e no Senado. O conjunto de projetos de lei que apresentou no Congresso Nacional não diferencia muito sua atuação, por exemplo, de Collor de Melo – hoje senador da República. Marina também não colocou em prática ações avançadas no meio ambiente quando foi ministra da primeira gestão de Lula. No geral, apenas cumpriu um papel dentro do sistema.
Entretanto, sua própria imagem de fragilidade e honestidade a coloca como a segunda colocada nas pesquisas de opinião pública, a aproximando da líder Dilma Rousseff. No caso, o novo é pouco diferente do velho representado por Dilma - com opiniões pessoais mais avançadas do que Marina em diversos segmentos, como religião, políticas para a mulher e economia, por exemplo.
Dificuldade
Goiás tem dificuldades em encontrar o novo. E o motivo é simples: usa-se a fórmula desgastada de se perpetuar no poder por meio de parentes. A maioria dos jovens políticos do Estado é composta de filhos de velhos políticos. Eles não simbolizam avanço. Ao contrário, demonstram o uso de uma fórmula antiga para a entrada na política: o uso da imagem e competência do pai. Assembleia Legislativa e Câmara Municipal de Goiânia estão repletas de ‘velhos’ na casa dos 20 e 30 anos. Em alguns casos, os filhos representam os pais que foram justamente afastados da política por conta de casos de corrupção ou prática de crimes.
Ao contrário da eleição presidencial, inexiste em Goiás uma figura que catalise a imagem do novo, fato que atordoa os grupos políticos. E o motivo parece ser exatamente a falta de interesse em realmente quem é novo e também representa o novo.
Quando Marconi Perillo surgiu no cenário político de Goiás, de fato, renovou o Estado: inseriu em Goiás uma agenda de eventos culturais (Fica, Canto da Primavera), criou um centro cultural, investiu na criação de faculdades, fortaleceu a economia com ações diferentes e inusitadas (como os incentivos arrojados do setor fiscal), lançou Goiás no exterior, atraindo investimentos. O ‘Tempo Novo’, assim, mudou a rota de políticas e ações do Estado.
Antes dele, apenas Mauro Borges havia chegado ao mesmo conceito de renovação de gerenciamento público. E Mauro Borges venceu as eleições de 1960 contra o conceito velho lançado pela própria família (Pedro Ludovico e Juca Ludovico). Todavia, ele não venceu as eleições como ‘novo’, mas como a continuidade do pai velho – que deu certo ao substituir a política da Goiás velha, de Caiados e Bulhões.
Mauro inaugurou no Brasil o primeiro governo planejado, com o estabelecimento de controle de receitas, despesas, proposição e cumprimento de metas. Governador de Goiás entre 1961 e 1964, optou por escolher técnicos e universitários para a gestão do Estado. Em uma época desglobalizada, foi até a China para tentar estreitar laços econômicos com o país que hoje mais celebra acordos comerciais com o Brasil e seu Estado.
Mauro venceu as eleições apoiado pelo pai, mas governou sem dar muitos ouvidos ao que ele dizia. Por isso foi inovador. Daí que na política, é melhor analisar as ideias e não a jovialidade do político ou sua pouco experiência com as coisas públicas. Existe uma grande diferença entre Mauro Borges e Collor de Melo, quando se busca na história  o que os dois fizeram em suas gestões.  A busca do ‘novo’ é um embuste do marketing político quando não consegue diferenciar o candidato ou fazê-lo uma real alternativa de poder.
Os riscos do apelo ao novo
O novo nem sempre se revela melhor do que o velho. Na história não faltam equívocos para atestar que muitas vezes erramos ao optar por novidades desconhecidas ou aventureiras
Fernando Collor de Melo
Venceu as eleições em 1989 como o ‘novo’. Mas foi prefeito biônico de Alagoas durante a ditadura. Criou um partido ‘novo’ apenas para disputar as eleições. Disse que iria renovar o Brasil. Lutava caratê, fazia cooper e gostava de se mostrar radical. Na administração pública, entretanto, foi a maior negação da história do País.
Adolf Hitler
O líder nazista era um contraponto ao velho líder alemão Hindenburg. Hitler assumiu o comando da nação, aos 40 anos, mas antes já havia liderado inúmeras ações políticas no País.  Implementou ações consideradas ‘novas’ na política, como o congelamento de preços e a renovação dos símbolos da cultura alemã.
Calígula
O terceiro imperador de Roma entrou para a história como péssimo gestor, conhecido pela  natureza extravagante e cruel. Foi assassinado pela guarda pretoriana aos 28 anos. Integra um rol de jovens imperadores que atrapalharam o desenvolvimento do Império Romano, cujo maior nome é Nero. Foi considerado um tirano demente, cuja maior vocação era participar de orgias e se embebedar.
Jânio Quadros
Não chegou jovem no poder, mas aos 47 anos. Apresentou, entretanto, a imagem de novidade nas disputas eleitorais de 1960. Ficou poucos meses no cargo e renunciou – em um dos episódios mais controversos da política brasileira. Ganhou as eleições com o mote “varre, varre vassourinha, varre a corrupção”. Teve apoio da UDN – a legenda que reunia os filhos do coronelismo. Com o fim da política Café com Leite e a República de 1930, os filhos dos coronéis migraram para as capitais e passaram a integrar a UDN. A legenda jamais deixou o conservadorismo e influenciou Quadros, cujo governo é lembrado por impedir briga de galo.

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