segunda-feira, 3 de março de 2014

Na noite que Elísio Maia chorou fazia frio em Pão de Açúcar

Fomos para Pão de Açúcar com a pauta definida numa só pergunta para ser feita ao saudoso  e famoso Elísio Maia.
- O senhor mandou matar o prefeito Ênio Ricardo?
A pergunta era essa e exigia jeito para ser feita. Fomos com o repórter fotográfico Dárcio Monteiro e o Nelson, que era o motorista.
 Chegamos quase que no final da tarde e decidimos procurar o “seu Elísio” no dia seguinte; eu sabia que ele se recolhia cedo para dormir e também acordava cedo
Já estávamos na estrada para a Fazenda Torrões e decidimos parar num barracão, onde havia uma festa. Logo reconheceram o carro da Gazeta.
- O que vocês estão fazendo aqui? – perguntou o dono do barracão.
- Viemos entrevistar o seu Elísio, mas já está escurecendo e ele dorme cedo. A gente decidiu entrevistá-lo amanhã de manhã.
Cerca de 20 minutos depois aparece um portador montado num cavalo e diz pra gente que o seu Elísio está nos esperando na fazenda. Já estava escuro e fazia muito frio, mas fomos lá.
Seu Elísio nos recebeu na varanda da casa grande, de pijama azul, o revólver na cintura, mas solícito. Um dos seguranças dele cismou com o Nelson, porque não saiu de dentro do carro; o Nelson estava com frio e procurava se agasalhar.
Mas nada sério; o segurança logo entendeu.
Fizemos várias perguntas e deixamos a principal, a que moveu a pauta, por último. Aí eu criei coragem:
- Seu Elísio, o senhor mandou matar o prefeito Ênio Ricardo?
Foi o momento mais tenso. Seu Elísio ensaiou se levantar da cadeira e tornou a se sentar, mas bradou de dedo em riste:
- Caboclo! Me respeite! Eu recebo você na minha casa e você vem perguntar uma coisa dessa? Eu não mandei matar ninguém, ta ouvindo caboclo!
A coragem já estava se esvaindo, mas ainda pude explicar:
- Seu Elísio, eu tinha que fazer essa pergunta ao senhor. Eu vim aqui para isso. Mas com todo respeito.
Gente! Temos aí como testemunhas o companheiro Dárcio Monteiro e o Nelson. O seu Elísio decidiu contar-me a vida dele desde o assassinato do líder político de Pão de Açúcar, Joaquim Rezende, pai do ex-deputado estadual e ex-prefeito Cacalo.
Contou e chorou. Parecia uma despedida, porque foi a última entrevista dele; foi a última vez que recebeu e conversou com um jornalista.
Seu Elísio enxugava as lágrimas na camisa do pijama; não sei se era choro de arrependimento ou de pedido de perdão. E eu ainda tive a ousadia de perguntar:
- Por que o senhor matou o Joaquim Rezende?
- Porque ele me empurrou. Ele estava discutindo com meu irmão e eu cheguei, e ele me empurrou dizendo: sai pra lá, Elísio! Me empurrou assim, com as mãos no meu peito.
E assim nós podemos dizer que vimos o Elísio Maia chorar. Não sei se outras pessoas viram outras vezes, mas naquela noite fria na Fazenda Torrões só estavam eu, o Dárcio, o Nelson, três seguranças dele e a empregada.
Ao sairmos, um dos seguranças pegou-me pelo braço e pediu para não divulgar nada na GAZETA. E eu concordei e cumpri. Pelo menos, enquanto o seu Elísio esteve vivo.

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