Rio Branco, Ac – 23 de agosto de 2007
Há alguns meses você vem me escrevendo pedindo uma doação mensal para
enfrentar alguns problemas que comprometem o presente e o futuro de muitas crianças brasileiras. Eu não respondi aos seus apelos (apesar de ter gostado do lápis e das etiquetas com meu nome para colar nas correspondências) porque achei que as cartas não deveriam ser endereçadas a mim.
Agora,
novamente, você me escreve preocupado por eu não ter atendido as suas
solicitações. Diante de tanta insistência, me senti na obrigação de
parar tudo e escrever-lhe uma resposta.
Não
foi por "algum" motivo que não fiz a doação em dinheiro solicitada por
você. São vários os motivos que me levaram a não participar de sua
campanha altruísta (se eu quisesse, poderia escrever umas dez páginas
sobre esses motivos). Você diz, em sua última carta, que enquanto eu a
estivesse lendo, uma criança estaria perdendo a chance de se desenvolver
e aprender pela falta de investimentos em sua formação.
Didi,
não tente me fazer sentir culpada. Essa jogada publicitária eu conheço
muito bem. Esse tipo de texto apelativo pode funcionar com muitas pessoas, mas comigo não.
Eu
não sou ministra da educação, não ordeno as despesas das escolas e nem
posso obrigar o filho do meu vizinho a freqüentar as salas de aula. A
minha parte eu já venho fazendo desde os11 anos, quando comecei a
trabalhar na roça para ajudar meus pais no sustento da família.
Trabalhei muito, e te garanto trabalho não mata ninguém. Estudei na
escola da zona rural, fiz supletivo, estudei à distância e muito antes
de ser jornalista e publicitária eu já era uma microempresária. Didi,
talvez você não tenha noção do quanto o governo federal tira do nosso
suor para manter a saúde, a educação, a segurança e tudo o mais que
o povo brasileiro merece e precisa. Os impostos no Brasil são altos
demais, sem falar nos impostos embutidos em cada alimento, em cada
produto que preciso comprar para a minha família.
Didi,
eu já pago pela educação duas vezes: pago pela educação na escola
pública, através dos impostos, e na escola particular, mensalmente,
porque a escola pública não atende aos estudantes brasileiros com um
ensino de qualidade que, acredito, meus dois filhos merecem. Não acho
louvável, portanto, recorrer à sociedade para resolver um problema que
nem deveria existir pelo volume de dinheiro arrecadado em nome da
educação e de tantos outros problemas e necessidades sociais.
O
que está acontecendo, meu caro Didi, é que os administradores dessa
dinheirama toda não têm a educação como uma prioridade. O dinheiro está
saindo pelo ralo, está sendo jogando fora ou muito mal aplicando. Para
você ter uma idéia, na minha cidade, cada refeição de um presidiário
custa para aos cofres públicos R$ 3,82 (três reais e
oitenta e dois centavos), enquanto que a merenda de uma criança na
escola pública custa R$ 0,20 (vinte centavos). O governo precisa rever
suas prioridades, você não concorda?
Você
diz também em sua carta que não dá para aceitar que um brasileiro se
torne adulto sem compreender um texto simples de uma mensagem ou
conseguir fazer uma conta de matemática. Concordo com você. É por isso
que sua carta não deveria ser endereçada à minha pessoa. Deveria se
endereçada, sim, ao Presidente da República. Ele é "o cara". Ele tem a
chave do cofre. Eu e mais milhões de pessoas só colocamos o dinheiro lá
para que ele faça o que for necessário para melhorar a qualidade de
vida das pessoas.
No
último parágrafo da sua carta, mais uma vez, você joga a
responsabilidade para cima de mim dizendo que as crianças precisam da
"minha doação", que a "minha doação" faz toda a diferença. Lamento
discordar de você profundamente, meu caro Didi. Com o valor da doação
mínima, de R$ 7,00, eu posso comprar 1 pacote de 5 quilos de arroz para
alimentar minha família por um período de
10 dias, ou posso comprar pão para o café da manhã por 5 dias.
10 dias, ou posso comprar pão para o café da manhã por 5 dias.
Didi,
você pode até me chamar de muquirana, não me importo, mas R$ 7,00 eu
não vou doar. Minha doação mensal já é muito grande. Se você não sabe,
eu faço doações compulsórias mensais de 27,5% de tudo o que ganho e
posso te garantir que essa grana, se ficasse comigo, seria muito melhor
aplicada na qualidade de vida da minha família. Outrossim, você sabia
que para pagar impostos eu tenho que dizer não para quase tudo que meus
filhos querem ou precisam? Meu filho de 12 anos, por exemplo, quer
praticar tênis e eu não posso pagar as aulas, que são caras demais para
nosso padrão de vida. Você acha isso justo?
Acredito
que não. Você é um homem de bom senso e saberá entender os meus
motivos para não colaborar com sua campanha pela educação brasileira.
Outra
coisa, Didi, mande uma carta para o Presidente da República, Luiz
Inácio Lula da Silva, pedindo para ele selecionar melhor os professores.
Só escolher quem de fato tem vocação para o ensino. Melhorar os salários desses
profissionais também funciona para que eles tomem gosto pela profissão e vistam, de fato, a camisa da educação. Peça para ele também exigir que as escolas tenham horário integral, escolas em que as crianças possam, além de ler, escrever e fazer contas, também desenvolver dons artísticos, esportivos e habilidades profissionais. Dinheiro para isso tem, sim! Diga para ele priorizar a educação e utilizar melhor os recursos obtidos com a arrecadação de impostos no Brasil.
profissionais também funciona para que eles tomem gosto pela profissão e vistam, de fato, a camisa da educação. Peça para ele também exigir que as escolas tenham horário integral, escolas em que as crianças possam, além de ler, escrever e fazer contas, também desenvolver dons artísticos, esportivos e habilidades profissionais. Dinheiro para isso tem, sim! Diga para ele priorizar a educação e utilizar melhor os recursos obtidos com a arrecadação de impostos no Brasil.
Bem,
meu caro Didi, você assina suas cartas com o pomposo título de
"Embaixador Especial do UNICEF para as Crianças Brasileiras", e eu vou
me despedindo assinando também com meu título não tão pomposo.
Atenciosamente,
Eliane Sinhasique - "Mantenedora Principal dos Dois Filhos que Pari".
Eliane Sinhasique - "Mantenedora Principal dos Dois Filhos que Pari".
P.S.:
Não me mande outra carta pedindo dinheiro. Se você mandar, serei
obrigada a ser mal educada: vou rasgá-la antes de abrir e, em
pensamento, mandá-lo à puta que o pariu.
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