sexta-feira, 30 de agosto de 2013

Em tempos de criança esperança: Carta aberta a Renato Aragão

Por Eliane Sinhasique
Rio Branco, Ac – 23 de agosto de 2007

Há alguns meses você vem me escrevendo pedindo uma doação mensal para
 enfrentar alguns problemas que comprometem o presente e o futuro de muitas crianças brasileiras. Eu não respondi aos seus apelos (apesar de ter gostado do lápis e das etiquetas com meu nome para colar nas correspondências) porque achei que as cartas não deveriam ser endereçadas a mim.

 Agora, novamente, você me escreve preocupado por eu não ter atendido as suas solicitações. Diante de tanta insistência, me senti na obrigação de parar  tudo e escrever-lhe uma resposta.
 Não foi por "algum" motivo que não fiz a doação em dinheiro solicitada por você. São vários os motivos que me levaram a não participar de sua campanha altruísta (se eu quisesse, poderia escrever umas dez páginas sobre esses motivos). Você diz, em sua última carta, que enquanto eu a estivesse lendo, uma criança estaria perdendo a chance de se desenvolver e aprender pela falta de investimentos em  sua formação.
Didi, não tente me fazer sentir culpada. Essa jogada publicitária eu conheço muito bem. Esse tipo de texto apelativo pode funcionar com  muitas pessoas, mas  comigo não.
 Eu não sou ministra da educação, não ordeno as despesas das escolas e nem posso obrigar o filho do meu vizinho a freqüentar as salas de aula. A minha parte eu já venho fazendo desde os11 anos, quando comecei a trabalhar na roça para ajudar meus pais no sustento da família. Trabalhei muito, e te garanto trabalho não mata ninguém. Estudei na escola da zona rural, fiz supletivo, estudei à distância e muito antes de ser jornalista e publicitária eu já era uma microempresária. Didi, talvez você não tenha noção do quanto o governo federal tira do nosso suor para manter a saúde, a educação, a segurança e tudo o mais  que o povo brasileiro merece e precisa. Os impostos no Brasil são altos demais, sem falar nos impostos embutidos em cada alimento, em cada produto que preciso comprar para a minha família.
Didi, eu já pago pela educação duas vezes: pago pela educação na escola pública, através dos impostos, e na escola particular, mensalmente, porque a escola pública não atende aos estudantes brasileiros com um ensino de qualidade que, acredito, meus dois filhos merecem. Não acho louvável, portanto, recorrer à sociedade para resolver um problema que nem deveria existir pelo volume de dinheiro arrecadado em nome da educação e de tantos outros problemas e necessidades sociais.
O que está acontecendo, meu caro Didi, é que os administradores dessa dinheirama toda não têm a educação como uma prioridade. O dinheiro está saindo pelo ralo, está sendo jogando fora ou muito mal aplicando. Para você ter uma idéia, na minha cidade, cada refeição de um presidiário custa para  aos cofres públicos R$ 3,82 (três reais e oitenta e dois centavos), enquanto que a merenda de uma criança na escola pública custa R$ 0,20 (vinte centavos). O governo precisa rever suas prioridades, você não concorda?
Você diz também em sua carta que não dá para aceitar que um brasileiro se torne adulto sem compreender um texto simples de uma mensagem ou conseguir fazer uma conta de matemática. Concordo com você. É por isso que sua carta não deveria ser endereçada à minha pessoa. Deveria se endereçada, sim, ao Presidente da República. Ele é "o cara". Ele tem a chave do cofre. Eu e mais milhões de pessoas só colocamos o dinheiro lá para que ele faça o que for necessário para melhorar a qualidade de vida das pessoas.
No último parágrafo da sua carta, mais uma vez, você joga a responsabilidade para cima de mim dizendo que as crianças precisam da "minha doação", que a "minha doação" faz toda  a diferença. Lamento discordar de você profundamente, meu caro Didi. Com o valor da doação mínima, de R$ 7,00, eu posso comprar 1 pacote de 5 quilos de arroz para alimentar minha família por um período de
 10 dias, ou posso comprar pão para o café da manhã por 5 dias.
Didi, você pode até me chamar de muquirana, não me importo, mas R$ 7,00 eu não vou doar. Minha doação mensal já é muito grande. Se você não sabe, eu faço doações compulsórias mensais de 27,5% de tudo o que ganho e posso te garantir que essa grana, se ficasse comigo, seria muito melhor aplicada na qualidade de vida da minha família.  Outrossim, você sabia que para pagar impostos eu tenho que dizer não para quase tudo que meus filhos querem ou precisam? Meu filho de 12 anos, por exemplo, quer praticar tênis e eu não posso pagar as aulas, que são caras demais para nosso padrão de vida. Você acha isso justo?
 Acredito que não. Você é um homem de bom senso e saberá entender os meus motivos para não colaborar com sua campanha pela educação  brasileira.
Outra coisa, Didi, mande uma carta para o Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, pedindo para ele selecionar melhor os professores.
Só escolher quem de fato tem vocação para o ensino. Melhorar os salários desses
 profissionais também funciona para que eles tomem gosto pela profissão e vistam, de fato, a camisa    da educação. Peça para ele também exigir que as escolas tenham horário integral, escolas em que as crianças possam, além de ler, escrever e fazer contas, também desenvolver dons artísticos, esportivos e habilidades profissionais. Dinheiro para isso tem, sim! Diga para ele priorizar a educação e utilizar melhor os recursos obtidos com a arrecadação de impostos no Brasil.
Bem, meu caro Didi, você assina suas cartas com o pomposo título de "Embaixador Especial do UNICEF para as Crianças Brasileiras", e eu vou me despedindo assinando também com meu título não tão pomposo.
Atenciosamente,
 Eliane Sinhasique - "Mantenedora Principal dos Dois Filhos que Pari".
P.S.: Não me mande outra carta pedindo dinheiro. Se você mandar, serei obrigada a ser mal educada: vou rasgá-la antes de abrir e, em pensamento, mandá-lo à puta que o pariu.

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